segunda-feira, 11 de julho de 2011

O braço e o corpo

Quando eu descobri que ia perder os braços, fiquei um pouco triste. Eu gostava dos meus braços. E devo assumir que sou bastante possessivo com as partes do meu corpo. Se fosse um dedo, seria menos ruim. Algo tipo um mindinho. Do pé. Mas não. Pois bem... Respirei fundo e aceitei. Sabe como é né. Quando o doutor fala que é serio, é porque é serio. Era uma espécie de alergia, com vírus, com bactéria com necrose e com alguma falta de vitamina. O braço parecia normal, mas doía em dia de chuva. Como sempre aprendi a ser positivo em situações complicadas, fiquei feliz por não ter nunca mais que cortar as unhas do dedo, nem lavar as mãos antes de comer, nem ter que me preocupar em arranjar uma boa posição para os braços na hora de dormir. Tudo tem seu lado bom.

Minha mulher que não conseguiu ver as coisas como eu. Ela ficou bem chateada. Além do mais porque estava grávida. Eu falava que tudo ia terminar bem, que daríamos um jeito, mas ela ficou bem, bem, bem chateada. Chorou e tudo. Foi quando eu dei um abraço nela que percebi a merda que ia ser estar sem braço. E ainda abraçado com ela olhei a palma da minha mão apertando sua costas. Pensei: Putz, que vida ingrata.

Fizemos uma mistura de chá da camomila com suco de maracujá para baixar os ânimos. Conversamos sobre como seriam as coisas e ela falou que teríamos que nos casar enquanto eu tivesse dedo. E que teríamos que fazer tudo que se faz com braço antes da amputação. Eu comecei a ficar nervoso. Nunca fui de fazer muita coisa. Agora vem ela nessa loucura toda... Falou trocar algumas lâmpadas, consertar algumas coisinhas, montar algumas outras, tirar foto abraçado com um bando de gente e ainda teve coragem de perguntar se eu tinha interesse em fazer uma experiência com alpinismo. Eu só pensava no estresse que seria beber cerveja de canudinho...

Resolvemos ir para a praia para andar de mãos dadas e pegar sol parecendo que éramos um casal normal. Tudo tinha ar de despedida. O coco, as posições na areia, passar o protetor, o mergulho, o jacaré, o troco, tirar e por os óculos escuros... Era bem chato o ar melancólico que pairava.

À noite fui beber com uns amigos para relaxar um pouco e contar as novas notícias. O pessoal ficou com a mesma cara de borocoxô e eu fiquei de saco cheio. Mostrei-lhes o dedo do meio e só faltou eles chorarem. Foi quando eu falei que estava com medo. O pessoal ficou atento como se estivessem para ouvir uma revelação. Então completei; com língua, mas sem dedo, mulher mete medo. Consegui tirar umas risadas fracas.

Estava voltando a pé para casa levemente embriagado pensando em tudo que meus dedos deixariam de sentir. Fiquei envergonhado de me imaginar como um ser rastejante copulando. O que seria do sexo sem dedos sacanas? Sem o braço, sem pegada... Foi nessa hora em que a tristeza me tomou o corpo. Sentei no ponto de ônibus para deixar o tempo passar. Devia ser umas duas da manhã. Não queria mais andar. Levantei para chamar um ônibus, taxi, sei lá. E nada. Ninguém passava. Maldisse os deuses, soquei um poste, xinguei o doutor e vi um carro se aproximando. Fiz o sinal de carona (Sempre quis pegar carona com o polegar). Ele parou. Vi que o mundo não estava tão ruim assim. Ele perguntou para onde eu estava indo, eu falei que era logo ali, depois de tal bairro. Entrei no carro e não me lembro de mais nada.

Só depois que morri que me explicaram que fui sequestrado e me desmembraram todo para o mercado negro. Fiquei um pouco chateado, confesso. Não era de se esperar algo assim tão repentinamente; Mas realmente, conversando com o pessoal, achamos graça da situação. Fiquei triste pela minha mulher e filho por nascer e amigos e tal. Mas pelo menos, eu, mesmo morto, tinha braços. E olhando para os vivos que ainda tinham uma vida inteira pela frente tive a certeza; que vida ingrata.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Pequenos detalhes "um"

Caro leitor, prezado aventureiro impelido do amor, essas palavras são para alertar você sobre o fato de que: se você continuar chupando esse pirulito, o amor vai acabar matando você de solidão.



Nas minhas andanças pela vida, pelas ruas e pelos bairros, pelas festas de boate e pelas sociais dos amigos da faculdade de cinema do Rio de Janeiro eu pude perceber que há algo acontecendo com relação ao amor, você já deve ter percebido algo. Eu então resolvi por no papel minhas observações.



Lembro de minha infância, somente pelas tristezas e alegrias de meus relacionamentos, e posso enumerar estas fazes por garotas marcantes em minha vida, que surgiram num momento onde recebemos a informação de que devemos buscar alguém para ser feliz a vida inteira ao nosso lado.



Leitor, minhas aventuras iniciaram-se, devo informar, que anteriormente aquela fase em que os meninos odeiam as meninas. Nunca entendi o motivo deste ódio repentino, talvez Freud explique.... mas acredito que enquanto meus amigos corriam atrás da bola de futebol eu pensava porque não podíamos ficar perto das nossas belas antagonistas. Eu lembro da primeira menina que amei, seu nome era Luana e eu a conheci, quando me mudei para minha casa atual. O leitor deve se lembrar que na infância, quando chegava alguém no bairro, na escola, ou no prédio era logo motivo de sensação da turminha, que diante da novidade precisava apropriar-se da novidade que é uma pessoa diferente. A novidade atrai. Lembro que uma vez minha mãe disse que o desprezo também atrai, e foi assim que tudo começou, quando ignorei a primeira menina que me amou para ir atrás de quem não me amava.



Leitor, não quero desacreditá-lo nesse sentimento, mas quero mostrar que algo que o faz sofrer (ocasionalmente, salvo as pessoas que tem o "amor" correspondido ) não deve ser alimentado.



Lembro que chegei sendo a novidade da rua, passando direto ao topo da escala social do meu bairro. Lá as crianças brincavam desde quando eram bebes nas barrigas das mães, eram a segunda geração dos jovens daquela rua e eu chego para quebrar um padrão. Logo que cheguei à rua virei o escolhido dela, e logo que a conheci virei seu amigo. Naquela época eu não sabia, leitor das artes do amor, não sabia que ele tinha regras então tentei fazer o máximo para me aproximar dela. Cheguei, até a ficar amigo do irmão dela, que um dia me disse durante uma brincadeira e outra, que queria falar comigo, com estas curiosas e instigantes palavras "quero falar com tigo", seguido de : "um negócio da minha irmã...".



Para todo aventureiro do amor, as batalhas começam logo cedo, depois do C.A, quando as coisas realmente ficam difíceis e aprendemos com o tempo, que quando uma pessoal põe numa mesma frase as palavras: Quero, posso, tenho que te contar uma coisa e, posso falar com você depois da aula, seguidas de: (ou para uma): mulher amiga ou pessoa do sexo feminino ( no meu caso irmã dele), que se trata de algo amoroso.



É engraçado o modo como modificamos o amor de acordo com nosso sofrimento. O amor infantil é sem sofrimento inicial, pois ainda não o conhecemos, o amor juvenil é cheio de ressentimentos e o amor adulto não gosta de perder tempo.



Aguardem... o resto da história.

domingo, 24 de abril de 2011

O quanto do tanto

Talvez, quem sabe, foi a falta dela que deixou tudo meio assim... Neblina. Quase chuva, pouca visibilidade. Umidade carregada. O carro anda devagar com medo dos postes e dos outros carros. Farol aceso para nada. É uma ida meio perdida, sem estrada, sem rumo, sem guia. É só ida por ir. Sem fim nem finalidade. É a vida finda e a saudade.

Eu sei, mas não tenho tanta certeza (como deveria), que assim como uma rachadura no cimento tende a crescer, eu tendo a ser cimento. E no vento, quando os ventos se juntam para soprar, mais eu viro pedra, ou raiz, ou tronco, ou martelo. Isso, num talvez bem grande, vindo da falta que tenho dela. Tudo porque um dia fui vento e amava indo. Amava rindo. Sorriso de domingo e mate leão. Era uma sorveteria de verão e as bobagens de quem gosta. Era não ir para o jogo e ganhar a aposta. Sonho que se sonha e se adora.

Mas ela era ela, do jeito dela. Moça rara, cobiçada. Pedra filosofal, caixa de pandora, trevo de quatro folhas. Era muito demais para ela só. Muito além do vento leve que era eu, brisa, sopro. Um tanto tudo do mais desejado: Areia no pé do homem afogado; comida para o esfomeado.

Como o imã junta, também separa. Cachoeira derrubando água. Pedra espatifando a água. E a vida se fez água. Às vezes água, ás vezes gelo, às vezes nada. Umidade no ar, nada. Espalhada. E a felicidade era mais vinho do que vinda. E as palpitações eram mais cardíacas do que eufóricas. E as histórias eram histórias; só histórias, pré-histórias, dinossauro, Genesis, big-bang, buraco negro. Memórias. Fantasiosas memórias e saudades de um amor amora (a vida agora é longa e demora).

O resto que resta, hoje, é só um pouco. E o sopro que sobra agora acaba. O que um dia fui eu e a amada, virou navio preso em águas rasas. Sou hoje o cego de bússola na terra dos surdos mudos. E aquela que era de mim, a mesma, mudou. Restou eu e o amargo azedo constante que é saber quão doce foi ela.