quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Caos Natal

O natal é uma mentira. Isso, a menina, não sabia. Ela era uma dessas meninas de 9 anos que ainda acreditava em mitos modernos como Papai Noel e Jesus. Vivia sonhando com um velho gordinho e rosado trazendo sei-lá-o-que. Passava o ano se comportando bem! Não cuspia no chão, não fazia pirraça, dormia na hora certa (mesmo estando sem sono), fazia o dever de casa e respeitava os idosos (obviamente para agradar a classe do bom velhinho). Imaginava conhecer as renas, rezava por neve tupiniquim, desenhava a fábrica de presentes no pólo norte... Era uma menina ingênua. Seu pai, um empreendedor nato, estava desempregado e quase falido. Diante do desespero de não ter dinheiro para presentes mágicos, resolveu abrir o jogo com sua filhinha e contar sobre as mentiras que alimentou durante os últimos 9 anos. Tinha a intenção de mostrar o lado cristão, humilde, do natal. Era tudo que ele tinha.

A filha, que era a única e o pai que era separado sentaram-se na sala quente do verão carioca para conversar ao lado de um pinheiro de plástico pequeno com neve fictícia. Ele começou a dizer que na vida tudo tem um significado e que a vida é muito mais do que o que a gente tem. “Entramos no mundo com nada, e saímos dele com a mesma coisa”. Ela fingia entender. Ele gesticulava, pegava em sua mão, ria, ficava sério. “Porque Jesus era um carpinteiro...” continuava “ É que Papai Noel é uma brincadeira ” e se explicava “seu pai está passando por um momento difícil” e terminou “o que importa é o amor.” A menina descrente dos absurdos do pai tentou lhe explicar que “O bom velinho existe, só precisa mandar uma carta para o Pólo Norte” o pai se estremeceu na espinha. Ao explicar mais aprofundadamente as verdades do mundo ele começou a esboçar uma camada de suor em sua camisa, o cabelo grudava na testa e a menina insistia “mas pai! Esse é o milagre do natal!” Enfim o pai já estressado e bastante angustiado levantou a voz e disse curto e grosso “Não tenho dinheiro para esses seus presentes. Esse ano não tem como eu te dar nada, não dá! É muito caro!”

A menina passou o dia em choque. Sua inteligência, que para ela, não era pouca, decifrou a mensagem do pai. Ele estava tentando cobrir Papai Noel. “Deve ser coisa de pais”. Era claro que Papai Noel não ia dar presente para ela! Ela tinha sido uma menina má. Tinha chamado um garoto da turma de burro, não escovou os dentes todas as noites antes de dormir, andava descalça no chão frio... Era claro! “Por quê, meu deus do céu?” Ela rapidinho ficou de joelho e começou a rezar pedindo desculpas “desculpe Deus por ter sido uma menina má, eu queria muito ganhar presentes de natal, fala com Papai Noel que ano que vem eu vou ser melhor, fala com meu pai que eu sou boa...” e assim foi por uns cinco minutos. Quando parou de rezar acreditou que tudo estava concertado.

Na calorosa manhã seguinte, no café da manhã, a menina foi cheia de pulos para o pai “ E aí? Ele falou com você” “Ele quem?” “Jesus, Papai Noel, Deus, um deles” “Filha, o que você está falando?” “Eu rezei ontem” “Rezou o que?” “Para Jesus falar com o você para falar com Papai Noel que podia me dar presentes” “Espera aí filha, não é bem assim!” A conversa do café da manhã não foi muito agradável. Enquanto o pai explicava as verdades e mentiras do mundo, que “Deus age de formas misteriosas” a filha tentava entender e só enriquecia suas fantasias. “Eu vou lá falar com ele então. Se eu falar com o Papai Noel , ele vai entender. Eu não sou má!” “Você não é! Quem botou isso na sua cabeça?” Mais meia hora de conversa foram na discussão sobre o que é bom, mau, o que é pecado... Quase que ele teve que explicar da onde vinham as crianças.

O café acabou com ar de assunto resolvido, mas o pai foi ingênuo ao acreditar que sua filha tinha entendido a realidade. Ele não conhecia a filha que tinha. O seu maior erro foi deixá-la na sala para ver televisão. A menina, indignada entrou na internet e pesquisou no Google onde fica o pólo norte e como se chegava lá. Se o seu pai não ia tomar providências com Noel, ela ia e pronto.

Em seu quarto pegou o casaco de lã e uma calça comprida, botou uma muda de roupa na mochila, pegou seu cofrinho, fez um sanduiche (ela sabia que sentiria fome na viagem), botou seu sapato mais quente, escreveu um bilhete com uma caneta rosa num papel cheiroso “ Fui ao Pólo Norte pedir desculpas” deixou em sua cama e sem fazer muito barulho saiu de casa. “Eu vou conseguir meus presentes de qualquer maneira” O porteiro abriu a porta pensando que ela ia à padaria, o trocador do ônibus ignorou o fato da menina estar sozinha, eu estranhei ela saber chegar no aeroporto, mas ela chegou.

No Google, ela descobriu que a melhor maneira de ir para o pólo norte era pelo Canadá. De lá ela teria que pegar uma conexão para o Pólo Norte. A menina por azar ou por sorte achou o saguão do AirCanada e inspirada em muitos filmes de ficção deu um jeito de entrar escondida dentro de uma mala que ia para o avião que queria. Dentro do avião prestes a decolar ela sorria interminavelmente sabendo que finalmente iria conhecer as renas e a neve. Estava indo para o natal verdadeiro!

O pai veio a perceber a ausência da filha tarde demais. Primeiro achou que era brincadeira, mas foi por pouco tempo. O porteiro falou que ela tinha saído havia algumas horas. Já desesperado, ele ligou para todas as autoridades, familiares, vizinhos, pegou o carro e foi pelo mundo procurar a filha tão impressionável. O medo e o horror tomaram o pai por completo.

A filha estava em pleno vôo. Começou a sentir o frio que deveria ser sentido em dezembro. Andava e pulava por entre o emaranhado de malas “Daqui a pouco eu vou me encontrar com ele!” O que ela não sabia era que o Google mapas mostrava o mundo reduzido. As horas foram passando, o frio foi aumentando, o sanduiche já tinha sido devorado e não tinha sido o suficiente, ela começou a se encolher nos casacos alheios, tremia.

O pai já estava descontrolado perguntando a tudo e a todos se alguém vira sua filha. Um sobrinho olhando o computador da casa abriu o histórico da internet para ver se achava alguma coisa e achou. Dezenas de pesquisas sobre o Pólo Norte, Canadá ônibus, aeroporto... Em poucas horas o sistema interno de segurança tinha com clara nitidez a imagem da menina entrando no aeroporto, na mala... Identificaram o avião que estava em pleno vôo e alertaram sobre a menina.

Haviam 12 horas que ela estava lá. Encontram o corpo já rígido e fedendo a urina. Não houve respiração boca a boca ou desfibrilador que trouxesse a menina de volta para a cruel realidade. Morreu congelada. “Será que ela sofreu?” “Porque ela não gritou?” “Que horror! Que horror!”

O pai foi avisado do ocorrido e quis se matar. Chorou e chorou... Deram um sedativo para ele conseguir fugir da realidade.

O Natal foi horroroso. A família não sabia o que fazer. De repente Papai Noel virou uma figura abominável, neve, frio, rena... Absurdos! Mentiras das piores! “Não se pode mentir para crianças!” “Cadê deus nessas horas!?” Nesse Natal, não houve presépio nem missa. Não havia o milagre do natal para os homens do mundo real. “Não existe reza que cure a crueldade do caos no destino.”

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A fome do homem

Um homem aventureiro se perdeu na selva. Nas primeiras horas perdido, ele acreditou que conseguiria se achar. Nas horas seguintes, se preocupou em ter onde dormir. Nas horas finais se desesperou pela falta de comida e bebida.

Ele sabia caçar, mas os animais naquele dia estavam mais ligeiros. Ele conhecia frutas, mas estas não estavam por crescer. Sem nojo, procurou insetos. Não os achou nem como vermes no chão nem como formigas nas árvores.

Quando o homem já estava fraco demais para gritar, ou andar, ou se arrastar, deitou olhando para o céu e acreditou em sua morte.

Antes de quase morrer, jurou para sua alma que se houvesse uma próxima vida, ele jamais deixaria de ter comida. Nada seria tão importante quanto ter posse de comida e a partir da comida, seria capaz de todas as coisas.

Sua morte anunciada foi interrompida pela sombra de uma jovem índia. Ela era sábia de como a floresta era cruel. Ela conhecia o que era um homem fraco a beira da morte. Ela percebia a fome faminta. Ela sentia o cheiro da morte.

Essa índia era vigorosa. Carnuda, farta, alimentada. Aparentava estar satisfeita. Seus olhos viam o que o homem não era capaz. Esta era a sua casa. Ela via o homem como um pobre homem. Um ser desprotegido. Seus pensamentos não relutaram na possibilidade de alimentar o homem com leite que cabia em seu peito. Ela que já alimentara mais de um ser com suas tetas, sabia da vida que lhe abundava.

A índia tomou o homem pelo torso e apoiou contra sua coxa. Seu seio desnudo se aproximou da cabeça inconstante do aventureiro e como mãe direcionou seu mamilo para a boca seca e áspera daquele ser que precedia a decomposição.

O homem quase relutou, mas o leite daquela viril índia jorrava em sua garganta. Era tanto leite, que em sua própria confusão, ele chegou a pensar que era um jarro cheio e quente. Pensou estar em casa. Sorvera o exagero de vida que cabia no pequeno e firme peito daquela vigorosa pequena índia.

Suas forças ainda eram inválidas, mas sua consciência voltara. Com voz de quase morto perguntou, não quem era ela. E sim, como saia dali. A índia, materna, lhe explicou como quem ensina para uma criança pequena os caminhos da floresta. Ele não estava longe de sua casa. Talvez um, talvez dois dias de caminhada. Os dois calaram-se.

O aventureiro, a cada gole daquele leite viscoso sentia nutrir sua promessa. Jamais sentiria fome. A força de homem crescido foi se apoderando sobre suas as veias e músculos. Ele agora não aparentava mais ter uma forma frágil e podre de homem quase morto. A índia que por hora pareceu tão potente, tão ciente, foi-se perdendo a forma. Foi-se fragilizando, foi-se subtraindo.

Incapaz de dizer não ao homem que se mostrava ser um faminto voraz, a índia não negava a vida que cedia. O leite dela sempre abundaria. Ela era Jovem e fértil.

Pode-se dizer que este foi seu grande engano. Ela acreditava que leite, só, saciaria o faminto. Pois a juventude tende a subestimar os perigos daqueles que trazem a seu peito.

O homem, já forte novamente, se punha sobre o corpo da índia que agora se deixava sugar estirada no chão. Suas tetas agora flácidas estavam por secar. O homem, se portando como fera sobre sua presa, sentindo o findar o seu alimento não hesitou em abocanhar a teta da pequena índia assim que a última gota fora engolida.

Antes que a índia pudesse começar a gritar seu desespero, o homem tratou de calar seu grito com algumas mordidas certeiras no pescoço. A índia, já morta e ainda quente, fora devorada quase inteira. Os restos dela que interessavam ao homem foram guardados numa saca que a própria índia carregara.

O homem aventureiro seguiu o caminho indicado. Ao ver seu destino, se desfez dos restos da índia. Deixou-a como vida para os vermes da floresta.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ela

Tudo aconteceu num preto e branco azulado de uma noite fresca. Era como se eu fosse cego. Ela vinha e me levava. Eu ia. Era o tanto junto ao quando que eu esperava há anos. Quantos anos! Fui levado. Era o vento me empurrando para todos os lados. Era eu sendo guiado. Era a saia ventaniando, sua mão concertava a alça da camiseta branca fina, lépida. Era seu corpo no contorno do tecido. Era minha mão nos seus dedos frios de noite. Era ela me puxando, era ela, era ela.

Era um areal, um imenso deserto. Não tinha fim. Era terça, era quinta, era um mês inteiro. Ela corria. Eu ia. Era talvez um pedaço de sorriso, que sorria de canto de boca. Um canino, um molar, era a boca. Como eu gostava daquela boca. Era os passos. Rápidos. Era a tentativa de ar, era tentar respirar, era me afastar, era vê-la, era a distância. Era sua perna dançar nas dunas longínquas, era meus pés no vale. Era meus joelhos no vale. Era ela de branco e indo. Era eu findo.

Ela vinha me achar, via onde eu estava. Era ela muito, muito perto. Era sua pele com poros e fios de cabelos. Era eu, caça. Carcaça. Era ela, moça, era ela, bela, era ela, era ela. Hera, ela. Era meu fim. Era sentir-me pesar. Era o vento indo contra. Era meu fraco mais forte. Era o sangue ralo, era o fim da linha.

Enquanto eu cedia, ela ria. Me queria. Me dançava. Amava cantar aos outros também finados. Buscava outros tolos. Éramos todos touros, mortos. Éramos poucos para tanto. Era ela. Era o mundo dela. Era tudo ela. Era um preto e branco azulado. Era bonito e distinto. Era seu quarto. Seu quadro e seu pincel. Era o mito, era o muito, era ela, era ela, era ela.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mergulho

Nos delírios diários típicos do processo que precede o sono, na presença do escuro do olho e do clarão do pensamento, senti a vida passear pelo meu corpo inteiro.

No compasso do coração desacelerado e do silêncio típico de uma madrugada calma, deixei que as vontades e as saudades passeassem pela minha alma. Deixei soltos os sentimentos que me transbordam, tirei do pulmão as dores que me afogam. Respirei aliviado. Escorreram pelo meu sangue purezas e impurezas típicas de quem sonha. Filtrei desejos, apaguei anseios, suei beijos, esqueci não sei o que.

Enquanto perdia a consciência, fui levado para um pedaço de mim que morreu. Jazia ali uma visão bonita e serena, me via. Estava eu lá deitado, sem calma, sem alma, sem nada. Me via e entedia. Lá estava o corpo do eu que amava.

Acordei de luto.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Entre Los Hermanos e a disputa presidencial (conclusões infernais)

Pois é... Pelo visto meus vinte e poucos anos vão ser realmente bem frustrantes. Descobri por esses dias que a humanidade não presta. Aí já viu né... fudeu. Por um grande acidente do acaso e de minha percepção quase tão distraída quanto torta, vi da maneira mais nítida o quanto não se pode confiar na palavra de um outro ser humano.

Eu como um belo e digno cidadão civilizado e educado, prezo pela moral e bons costumes da sociedade. Não por mim, mas pelo bem comum. Acredito que quando todos forem respeitados e tiverem oportunidades iguais em todos os aspectos, o país vai pra frente. Vejo nas crianças o futuro, nos adultos a sabedoria e nos jovens da minha idade, a seriedade e comprometimento dignos da força e ingenuidade cabíveis à sua facha etária.

Daqui a onze dias, as eleições presidenciais acontecerão. O Brasil está entre Dilma e Serra. PT VS PSDB. A população está partida. É e-mail pra cá, e-mail pra lá... Uns defendem, uns atacam... Argumentos de todos os calões. Debates calorosos, comerciais afiados e incessantes! Tantas polêmicas! Dois seres maquiados falando “acredite em mim”. Ha!

De quebra, esses dias, aqui em salvador, teve o show de Los Hermanos, que estão em recesso indeterminado. O show lotou. Cheguei 1 hora antes de o portão abrir. A fila estava quilométrica! Atenção, meu caro leitor. Esta é a hora decisiva em que eu fecho meu argumento sobre como parei de acreditar no ser humano. No meu caminho derrotado até o fim da fila, um amigo viu um amigo que nos chamou para juntarmos a ele. Sem pensar duas vezes, eu furei a fila. Eu, um cidadão civilizado e educado que preza pelo bem comum. Entrei sem nem olhar pra trás. Não quis saber quem era que estava atrás de mim. Ao longo do caminho até o portão de entrada, tive ainda a cara de pau de reclamar das pessoas que estavam furando a fila na minha frente ao mesmo tempo em que resmungavam aqueles que foram “furados” por mim.

Moral da história: Se eu furo fila e tenho consciência do quão inadequado é meu ato, se eu tenho a frieza de cagar para todos os outros atrás de mim que já estão a horas esperando entrar, se eu ainda reclamo com os que entrarem na minha frente, se eu que sou minha referência de humanidade faço isso, como vou acreditar no meu potencial de voto? Quem sou eu para discernir quem presta e quem não presta. Eu acho que, pelo visto, vou querer alguém que me ajude a furar fila.

Vejo dois candidatos que prezam a honestidade, a transparência, a justiça, a religiosidade, o respeito à vida, o meio ambiente! Meu deus! Eu não consigo suportar tanta bondade! Eles não me representam! Eu colo chiclete de baixo da mesa, eu não separo lixo seletivo, eu já cobicei a mulher do vizinho!

Como acreditar no ser humano? Como é possível acreditar em um sistema humano que funcione?! Pelamordedeus! Qualquer um que projete um futuro próspero para nós é ingênuo. Vivemos na lei do menos pior.

O ideal não existe nem em pensamento.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Conto do amor cotidiano

Era terça feira e ela precisava ser acordada. Por esses dias o alarme já não a acordava mais. Era o cansaço, era a noitada, era o trabalho e aquela preguiça danada. Mas a vida é isso mesmo, eu que acordo com o despertador dela, acordo ela, depois eu volto para dormir mais um pouquinho. Ela tem toda aquela empreitada da beleza matutina, acho que ela é escrava dos artigos de beleza. Acordo com o cheiro do xampu tomando o quarto vindo com o vapor do banheiro. Levanto torto e dou um cheiro nela enquanto passa o batom e essas parafernálias para a cara. Tomo meu banho rápido só para tirar o amassado da cara e o cheiro de cama do corpo. Ainda de toalha, penteando o cabelo ela vem me dizer que acabou o queijo e que estava com desejo de tomar café da manhã naquele lugar bacana um dia desses. Eu respondo afirmativo “vamos sim! Um dia desses”. Enquanto ponho minha roupa de trabalho ela assiste as noticias da manhã na TV ao mesmo tempo em que checa o e-mail e arruma uma papelada na pasta. Mulheres... Eu mal consigo botar o sapato e escutar o jornal juntos. O café da manhã é rápido, mas dura o bastante. O que você vai fazer hoje? Como ficou aquilo? Viu o que aconteceu lá? Seu pai ligou ontem... E assim vai. Passa o suco, que pão gostoso! Nossa, estou atrasado! Escovando os dentes a vejo botando uma sapatilha preta de um jeito típico. Penso em como gosto dela, mas estou de boca cheia e logo lembro que me esqueci de terminar qualquer coisa que era para hoje. Cuspo, enxáguo, ponho o perfume, checo os dentes, e vou para me despedir. Ela também está atrasada. Pegamos o elevador juntos. Ela diz que hoje vai chegar um pouco mais tarde, eu digo que estava pensando em comer uma pizza à noite em vez de sopa. Chegamos no térreo. Ela pega o carro, eu pego o metro. Damos um beijo rápido e o dia começa.

Quando a noite chega, eu chego em casa. A cabeça dói um pouco, o ombro pesa, mas nada que um sofá macio não resolva. Estico as pernas, penso no dia, lembro de ontem, esqueço de amanhã, desejo uma coisa velha, sinto um pouco de fome, ligo a TV, desligo a TV. Ligo o som, como um pouco de batata palha, ela chega. Diz que o dia foi um caos, que amenina do almoxarifado é uma fofoqueira, que o cliente estava com a bruxa, que a única coisa boa do dia foi uma sorveteria pequenininha que uma amiga descobriu ali do lado do trabalho. Ela senta do meu lado no sofá, apóia a cabeça no meu ombro, diz que está muito cansada para sair para comer uma pizza, que ela queria uma sopa leve e que hoje ela ia porque ia dormir cedo. Então esquentamos a sopa, conversamos sobre um filme e lembramos de uma viagem boa. O relógio marcava que estava tarde demais. Ela foi tomar uma ducha e eu mais uma vez fui escovar os dentes. No banheiro ela diz que precisa cortar o cabelo, eu digo que está ótimo assim. Enquanto termino de escovar os dentes olho pela cortina semitransparente e vejo a sua figura. Ela estava de toca e passava sabonete rapidamente pelo corpo. Quis dizer que ela estava ficando cada vez mais linda, mas não achei que era a hora certa. Já deitados e de pijama escuto-a suspirar de leve. Abraço-a encaixando-me em seu corpo, botando meu braço sobre seu braço e minha perna com sua perna. Ponho minha boca bem perto de seu ouvido. Digo “boa noite, broto” ela aperta minha mão e responde “boa noite, pitel”. Rimos um pouco, nos ajeitamos um pouco, nos olhamos um pouco, arrumei o seu cabelo para fora da cara e disse “não corte o seu cabelo, você está linda assim”. Ela deu um sorriso, um beijo e fechou os olhos com um olhar de alívio. Eu fechei os olhos também. Antes de dormi pensei sobre eu e ela. Acho que a gente dura. Espero que sim. Mas não sei porque eu tenho certeza que amanhã ela ainda vai cortar o cabelo...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Carta de R. Sexo: F / Idade: 20 Meio:Ingestão de Veneno

Antes de tudo quero que todos saibam, que a culpa não é de vocês.

Há muito tempo eu venho pensando nisso e acho que fiz no momento certo. Estava plena de minhas consciências e de minhas vontades. Eu creio que a morte seja, sei lá... algo bom, não deve doer acho que quando eu me for. Estou pensando nisso há muito tempo e hoje eu pensei e estive bem séria, espero que vocês não tenham reparado em nada diferente hoje. Mãe gostei de nossa conversa na hora de almoço, pai do lugar onde eu estiver agora vou torcer pelo seu sucesso. Quero lembrar a todos que esta atitude foi bem pensada, juro. Sei que sou meio estabanada.. e esqueço as coisas que tenho que fazer, sei também que sou meio irresponsável.... eu, estou meio nervosa sim, mas depois tudo vei ficar bem. Sei que vocês e meu namorado acharam tudo isso uma loucura, mas é só um reflexo do peso que comprime a sociedade... e eu as sinto mais fortemente do que todos os outros. André, um beijo, um abraço e deixo um pedaço da nossa música : "existe a chance do tempo matar a morte no final da nossa história..." acho que vamos nos encontrar um dia. Te amo muito, sei que você tinha planos... para nossa história lembro quando você falou de filhos, e eu já pensava em morrer.... André, espero que você seja feliz, por favor siga sua vida. seja feliz por min.Sei que um dia me esquecerá, um dia todos esqueceram de todos e e as mortes e os choros de nada valeram. Quero que minhas cinzas sejam jogadas no arpoador, para que meus restos vejam o por do sol. Sei que tomei uma atitude egoísta e sei que todos tentaram me ajudar. Mãe, mesmo diante de todas as brigas, eu agradeço as suas palavras de carinho, mesmo na morte, eu creio que nunca esquecerei o dia do "cãozinho"...panela foi meu primeiro e único melhor amigo pena que se foi. Vou procurá-lo aqui de onde estou. Mais de uns tempos para cá eu venho perdendo a batalha, não consigo pensar em motivos de prendimento aqui, estou cansada, muito sozinha em meus pensamentos, e ninguém vai poder me ajudar de onde estou, eu já estava muito longe antes de pensar em morrer. Eu via as notícias e via as pessoas esvaziando suas vidas e perdendo as chances no decorrer de minha pouca existência. eu sinto muita maldade nesse mundo, e eu quero parar de acreditar que algo possa ficar melhor. Pude ter sido fraca, mas as maldades do mundo me causavam mais dor do que a vocês. Eu chorava vendo as mortes das crianças arrastadas nos carros e dos jovens na guerra. Desculpa pessoal.

Resolvi escrever alguns motivos.
 Para viver.
  1. Amigos e família
  2. Futuro
  3. Tentar fazer algo melhor
  4. Ser feliz
  5. Viver
Para morrer.
  1. Não sou bonita e tenho poucos amigos
  2. Medo do futuro
  3. A sociedade
  4. A solidão de min mesmo
  5. Tranquilidade

Chega de palavras, pois estas também irão se perder com o tempo.


Eu estou feliz, não chorem.


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Juventude Madura

Menina! Essa juventude de hoje tá danada! Onde já se viu?! Nessa idade beijando, requebrando desse jeito... Olha isso! Essa garotada está pertida! . Eles não têm cultura, não fazem nada! Amiga você sabe né?! A gente passa dos cinqüenta tudo começa a cair, e aí começa puxar aqui, corta ali... A gente tem que se conservar! Eu? Velho? (risos) Posso estar com a idade avançada, mas tenho o espírito jovem! Temos sempre que manter o espírito jovem!

Uma grande tristeza que eu pude ter a amargura de sentir, foi uma mesa de pessoas de setenta e tantos anos se auto-proclamando jovens. Me senti insultado. Por mais vigorosos e lúcidos que eles estivessem, por mais atentos e dispostos e interessados. Por mais brincalhões e estimulados e estimulantes! Não! Não são jovens. Não são e ponto final. Essa fobia da maturidade é tão imatura que quase se justifica. É absurdo negar a influência do tempo na vida. Nascemos, vivemos e morremos. Não tem mistério. O homem não é eterno. Se o medo for da morte, sinto dizer que até os jovens morrem. E morrem de tudo quanto é jeito. De acidente e doença também!

A juventude é qualquer coisa. Desde a preguiça até a ingenuidade... Juventude é um grupo de pessoas de uma idade. É estranho ver essas pessoas de mais idade falando o quanto ainda são jovens e estão inteirões, conservados e como é importante se manter cheio de energia e em seguida notar que despercebidamente o assunto foi para os cabelos brancos e ralos, as dores, o pouco sono, a aposentadoria... É minimamente engraçado ver como eles não percebem que ser conservado e ter energia não é atributo de jovem e sim de quem gosta de um estilo de vida assim. Querer viver não tem validade.

Existe uma essência nos jovens que é inegável e quase inimitável. A mistura da descoberta com vontade de falar sobre ela. Muito antes de cabelos sedosos, corpo sarado ou qualquer outro estereótipo, a juventude é marcada pela imersão no mundo. Este segmento da humanidade é marcado pelo começo. São as pessoas que assistem a um filme clássico pela primeira vez. Que tem o primeiro trabalho, a primeira transa, o primeiro porre... É a iniciação na vida adulta. É um meio termo conflitante e interessante. É único e próprio.

Querer ser jovem para sempre é burrice. É nadar contra a corrente. Querer respirar de baixo d´água. Não dá. A vida tem seus momentos. Cada momento tem sua graça. Existe o momento de ser filho, o momento de ser pai, o momento de ser avô. Cada tempo no seu tempo. Cada um no seu contexto. É mais do que necessário a dissociação dos jovens com a alegria e disposição. Esses atributos cabem a todas as idades. Do jovem, é exclusivo, apenas a idade e sua história.

Que o corpo caia, que a vista piore, que as dores cheguem, que a visão amplie, que os novos jovens sejam mais ou menos caretas, que os trabalhos cheguem, que os sonhos se concretizem, que a vida se faça, que a morte passe, que os outros cresçam, que o mundo siga, que todos possam se entender como são, não como foram.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O sonho de mil humanos - Ou o sonho de Mingau

"Eu vou lhe dar um prato de flores, e no teu ventre vou fazer o meu jardim"
- Prato de Flores , Nação Zumbi
Havia, em um universo muito parecido com este. Com um planeta muito parecido com esse. E continentes muito parecidos com esses, que tinha países, cidades e ruas parecidas com essas. Onde moravam deuses. Estes deuses, de muitas frentes e coalizões, de muitos povos e nações tinham existências atribuladas e confusas, pois tinham muitas coisas pelas quais se preocupar. Não se viam os deuses conversando, a não ser pelo celular. Os deuses tinham descoberto quase tudo o que havia para descobrir : as divindades menores não tinham medo dos pesadelos que se escondiam no escuro do armário, as luzes afastavam os pensamentos que preenchiam as trevas de suas mentes com peças medonhas do subconsciente e quase ninguém sabia explicar o que era amor verdadeiro. Os deuses vendiam suas esferas de dominação por dinheiro. Haviam deuses perdendo lugar para outros na roda que move o mundo. Antigas deidades que controlavam, por exemplo, a sorte, foi substituída pelos deuses das estatísticas e nos bancos haviam deuses da economia. Havia deuses da guerra e da tecnologia. E todos eles trabalhavam para sustentar seus panteões familiares almejando um bom futuro para sua priogene. Neste mundo deuses antigos pediam oferendas nas ruas e pequenos deuses morriam de fome e sede, enquanto outros tinham de mais em função do pouco de muitos outros deuses. Estes deuses tinham animais de estimação. Uns preferiam robôs e aparelhos tecnológicos eletrônicos e digitais, considerados naquele mundo os melhores amigos dos deuses. Mais havia um outro animal que chamava muito a atenção dos deuses por suas características e história: Os humanos. Diferente das máquinas, eles não balançam a cauda quando seus deuses chegam e costumas ser mais temperamentais que as máquinas. Decidem o que querem quando querem e tendem a buscar os deuses somente quando lhes é favorável. Gostam de fugir dos confortos dos seus lares a noite e cantar sob as luzes dos deuses do luar. Por estas características singulares desde o início da deidade. Muitas lendas e histórias surgem para preencher os vazios em suas histórias e as histórias de suas saídas noturnas. Dizem que, por exemplo, cruzar com humanos de cor negra da má sorte e que os deuses da sorte conspiram contra a divindade. Mas há também aqueles que acreditam que o homem sabe caminhar entre os vários mundos da instância divina, sejam os da vida ou os da morte, e que podem ver os servos dos deuses da morte, os espíritos dos deuses que morrem. Pois até os deuses morrem. Neste mundo, parecido com o nosso existam deuses grandes e menores, ricos e pobres que tem família e são nobres.
***
Havia um panteão que fazia morada ao sul da cidade. Um lugar para deuses com possibilidades de decisões que afetavam toda cidade. Eles moravam em um templo de luxo imenso, onde vários andares eram preenchidos de ego e adoração. Era um panteão familiar de aparências de fachada para a deidade, que tinha que vê-los como perfeitos e sempre felizes, como se os males dos mundos não os afetasse. Este panteão era formado pelo deus criador que cuidava dos assuntos de política divina, pela sua dama senhora das jóias e da sorte e por seus filhos, que há muito se desventuravam nos entremeios do mundo com a sorte da mãe e os amigos influentes do pai. Saindo sempre ilesos de suas empreitadas na vida. Mas a história que vou contar é sobre um humano de estimação chamado Mingau, que era tido como o novo filho da deusa, "o divininho da mamãe", como ela o chamava. Era um hominídeo novo devia ter uns 1 anos na idade divina e aproximadamente 14 anos na idade dos humanos, ele fora comprado na loja de animais eletrônicos pois por sorte tinha pedgree facilmente perceptível por sua cor branquinha como o leite e os olhos azulados como a paz. Mingau morava neste templo e tinha uma caminha só sua. Sua dona o alimentava com pequenos animais como frangos ratos, rãs, porquinhos e ocasionalmente ele comia fast food. Era um bom animal de estimação. Nunca havia saído do templo. Preferia ver mortes na tv e brincar com sua comida. Enquanto a deusa passava pela sala do templo ela viu Mingau brincando com os olhos fechados e disse aos grande deus: "olha que belo Mingau sonhando, deve estar a imaginar que está a caçar algum rato" Ela quando ele sorriu. Naquela noite Mingau acordou com uma pancada seca na janela do saguão, havia um homem na janela, ele era negro e tinha pelagem não aparada, parecia mais magro que os gatos que Mingau vira na tv para homens 'Hx' ele parecia abatido e cansado Mingau não conseguiu imaginar como ele tinha conseguido subir até lá. Ela pediu para entrar e chovia muito lá fora. Como sua dona não estava em casa ele subiu pela janela o a humana falou "é hoje, ela estará lá hoje a noite, você vem?". Mingau disse a ela : Não sei como sair todas as janelas estão fechadas e não falo a língua dos deuses para destrava a senha". A humana esticou o braço e apontou o teto do templo dizendo: "Há uma saída pelo teto,venha rápido". Mingau correu pelas escadas do templo saiu no alçapão do reserva tório de água e desceu por uma árvore imensa no lado do templo, pensou que teria que subir tudo aquilo novamente quando foi chamado outro humano acima do muro.Mingau era sempre o último da fila de humanos que corria pela noite para chegar no lugar do encontro. Mingau, sendo o mais novo e o mais inocente, se achava no direito de interpelar os outros humanos que seguiam pelos cantos das ruas: "porque vocês vão vê-la?" ele perguntava :"porque precisamos" eles diziam que "precisavam ouvi-la", que "tinham que ouvil- la". Depois de caminhar por alguns minutos Mingau e o grupo de humanos que partiram do templo chegaram num tipo de cemitério, que não não tinha lápides grandiosas para guardar os deuses, que não tinham capelas de oração nem estátuas grandiosas das divindades. Ao invés disso haviam pequenas lápides redondas com esculturas de humanos com lãs de pedra em suas mãos estátuas de humanos dilacerados e deformados, estátuas e lápides de "bons humanos", de acordo com suas inscrições. Via- se a humana no alto de uma colina prostrada sob o luar, era antiga, devia ter mais de menos duas eternidades, contando pelas idades dos deuses, e tinha marcas no corpo, marcas de aviso, de histórias e cicatrizes que ela exaltava. Mingau chegou até a pensar:"quem iria querer esta humana como animal de estimação?" mas logo percebeu que ela há muito não sentia um afago e o mundo doía nela, por onde ela passava. Mingau percebeu que ela houvera feito uma escolha. "Boa noite meus filhos", realmente, sua voz lembrava a voz de todas as mães e avós do mundo. "obrigado por terem vindo" Só que com um gostinho de dor e tarde de chuva torrencial... E quando ela começou a falar todos os gatos ficaram pardos cobertos pela noite que saia dos olhos vermelhos dela. "Irmãos e irmãs, boa caçada", "obrigado por terem vindo. Espero que depois de hoje minhas palavras possam ser libertadoras para vocês", então:Ela contou sua história.
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"Há muitas e muitas luas eu, vivia com um panteão famílias no norte do pais, eu era considerada humana de pedigree vivia no luxo e no conforto, comia muito melhor até do que alguns deuses menores e achava que eles tinham amor por min, eles me alimentavam quando eu precisava, me abraçavam quando precisava e me protegiam quando eu precisava. Eu era nova e não sabia a dimensão de minhas atitudes e um dia ele aparecer em minha janela, um homem. Ele me via brincar pela janela nas noites de verão. Ele não era um humano normal era mais alto mais belo e completo de nossa raça , tinha pele negra e olhos amarelos como o sol. E me entreguei a ele. Não sabia seu nome e só ouvi uma vez a sua voz, quando disse meu nome. Nosso amor era grande e pensava que seria feliz com ele. Ela continuou a falar enquanto olhava para a lua, estava ficando tarde. "Assim, do mesmo modo que ele apareceu em minha vida, ele sumiu. E deixou em meu ventre os frutos de nossa relação. Tratei de me preservar e de cuidar de min para que tivesse minha cria com saúde, meus deuses cuidaram de min e me deram mais atenção por estar grávida, eu os amei mais ainda por isso. Depois de nove meses eles nasceram, eram grandes e fortes como o pai, lindos e os deuses deram beijos e carinhos, arrumaram - nos e tiraram fotos deles, e depois os tiraram de min. Uma noite, enquanto estava dormindo os deuses familiares tiraram minhas crianças de min, eu tentei lutar, mas foi inútil, eles foram jogados abaixo de uma ponte no rio dos deuses."Visivelmente emocionada ela parou um pouco de falar e engoliu o seco."Neste momento, irmãos, nesta hora eu percebi que na verdade os deuses não se importam conosco. Eles nos tem como bichos de estimação até a hora em que não precisam mais de nós e seus poderes não funcionam conosco, hoje eu venho trazer um sonho de libertação há vocês... Logo depois que meus filhos foram assassinados, eu fugi em busca de respostas e caminhei pelas beiras e histórias do mundo e soube de atrocidades cometidas pelos deuses aos humanos das quais nós nunca imaginaríamos pensar e estes contos e lendas sempre falavam de um humano que habitava o mundo do pensar e do sonho, chamado de : O homem dos sonhos. Então filhos, de tanto procurar, pelos lugares mais improváveis eu caminhei por linhas das quais não sabia o que era verdade ou mentira, caminhei na transição entre a loucura e a sanidade, passei pelas ruas e pelos corpos das ruas até chegar no seu reino, o reino dos sonhos." Nesta hora o vento cessou e a noite abriu num céu estrelado, como se a noite quietasse para ouvir sua história... "A caminhada pelo reino das idéias foi longa, os limites da cidade encontravam um mar de pequenos esqueletos, esqueletos de deuses mortos, centenas dezenas infinitos crânios gigantes e pequenos ao mesmo tempo, se um dia se perguntaram para onde vão os deuses quando morrem lá estava à resposta, mas essa não era minha sina. No caminho para a caverna encontrei um boi, confortável alimentando os desejos abaixo de seu ventre e ele perguntou por que eu seguia aquele caminho, e eu respondi: pelo desejo de vingança, e pelo sentimento de saudade de meus filhos. Na descida da caverna encontrei um leão, que guardava o coração e o conforto dos humanos, ele me perguntou por que eu seguia aquele caminho, e eu respondi: era pelo amor aos meu filhos e para acalmar meu coração. Na Entrada da caverna encontrei a águia, que voava acima dos pensamentos, dos desejos e sentimentos , e gostava de manter os pensamentos plenos, para equilibrar o conforto e o coração, e ela perguntou porque eu segui a aquele caminho, e eu respondi : pela verdade. dentro da caverna encontrei ele. Grandioso e imponente, um homem pálido de olhos vermelhos, um manto cobria-lhe as partes e seus olhos parecias feitos de sangue ele disse: Eu não sei o motivo de sua vinda, mas posso te contar uma história.
"Há muito tempo, há muitos e muitos anos, quando a terra ainda era misteriosa, regida por regras que não tinham pensamento, quando a mente e a fé ainda não existiam e o sonho era jovem, os humanos reinavam solenes na existência, eles eram maiores do que são agora e os deuses pequenos, dependiam deles para existir e sobreviver, os deuses viviam escondidos e com medo nas matas e vocês brincavam de pegar e enforcar com eles. Quando aumentavam muito de população vocês os caçavam e os devoravam nas planícies. Mas um dia Deus despertou para a verdade e reuniu o máximo de deuses que pode numa colina e pediu aos deuses que sonhassem e naquele dia mil deuses sonharam e tudo ficou como sempre esteve hoje. Entenda, isso ocorreu antes de vocês reinarem e antes deles existirem, isso sempre aconteceu em alguma parte do tempo, ou da minha história antes de tudo pois eles sonharam. Todos devemos voltar a caverna para libertar os outros que estão nela, então leve o sonho novamente aos humanos o sonho pode ter mudado tudo novamente, isso é como será, não como devia ser"
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Então irmãos sonhem como nunca sonharam antes, vão para as suas casas e becos pensando no que eu lhes disse sabendo que o sonho de mil humanos pode nos libertar.
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Mingau chegou a casa cansado e foi logo deitar na caminha, havia comida no leito. Ao chegarem, os deuses viram o pequeno humano dormindo, entretido em sonhos, riscando o ar com as garras do imaginário e os deuses disseram "olha que bonito o Mingau sonhando, deve estar se imaginando caçando um rato..."

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A Santa

Sonho com um príncipe encantado. Sempre sonhei em estar perto de um homem que me tratasse bem, bonito, cavalheiro. Esse é meu desejo mais aberto, minha verdade mais divulgada. Nasci feia. Não tem jeito. Eu era um bebe feio, depois fui uma criança feia, continuei sendo uma adolescente feia e hoje, sou uma jovem feia. E sou feia não de gorda nem de torta, sou feia por proporções. Questão de relação entre nariz e boca, orelha e olho, peito e bunda. Não combino. Sou uma criatura que Deus fez com pressa.

A vida me permitiu adaptar-me aos homens de segunda categoria. Sou aquela que recupera os pedaços quebrados dos rejeitados. Sou a dona do colo que cala o choro de tantos meninos perdidos, envergonhados, medrosos. Não cabe, a mim, julgar com desdém aqueles que, como eu, nasceram assim, abaixo do normal. Nunca neguei um rapaz sequer. Estendo meus braços, para todo homem que busque carinho, afeto, prazer. Minha flor provém com todo o néctar que qualquer homem, renegado pelo mundo, precisar.

Todo homem que namorei, perdi. Talvez por ser puta, talvez por ser santa. Mesmo tendo pena do pobre que me enamora, mesmo sabendo e ignorando suas disfunções, suas deformidades, suas mais grotescas falhas, mesmo sendo um sacrifício aturar a criatura que se atrelava a minha carne tal qual carrapato, nunca fui eu quem terminei. Sempre cuidei, amei, sempre! Acredito que sou o fundo do poço. Sou o fim da linha. A partir de mim os homens se reconstroem. Eles renascem e me deixam.

Não posso negar o cansaço. Viver a espreita de um homem bom é duro. E olha que nem planejo tomá-lo para mim, do mundo. Nem casar, nem nada. Quero só ser adorada uma noite. De verdade. Que ele esteja triste, que ele esteja desolado! Mas que me queira! Meu sonho eterno como puta e como feia é ser desejada por um homem puro e bom. Ter um ser belo, cuidando, com o toque, meu corpo. Deixar-me ser guiada por um cheiro limpo de homem bom. Ah! Que isso seja por uma noite! Não queria mais do que isso. Sei que é pedir demais. Mas peço que seja! Quero estar banhada de gozo e suor daquele que vai fazer minha vida valer a pena. Preciso, quero, sonho, demais.

Mas sei que não é assim. Já me acostumei à ideia da miséria, da migalha... Ao menos tenho homens para que eu satisfaça. Homens ralos, de beijos duros, de mãos grossas, de vozes ou fracas ou roucas... Fedendo à cachaça, querendo minha graça, chorando de vergonha, querendo minha fidelidade, me ligando com saudade, me largando na sarjeta, esquecendo a gorjeta ou até pagando extra! Tanto faz. Não é o dinheiro que me agrada. Gosto mesmo é de ser amada.

Ah! Que nada... Tem vezes que eu até esqueço o que fazer com a vida. Eu sigo sem guia. Sou feia. Sou aquela. A sobra. A outra opção. Eu sou aquela que tem amor. E que quer ser como deus e ser fiel a todos que me amam. Pois sei, sou pouco, mas sou o consolo. Sou eu quem salvo aqueles que são o resto. O mundo é cheio de resto. Eu só quero um consolo... Sou pouca coisa, mas sou tudo que posso oferecer. Queria salvar o resto. Queria ser salva. Acho que o resto é feito para o resto. Deve ser isso. Dê a Cesar o que é de Cesar, dê aos feios o que é dos feios.

sábado, 21 de agosto de 2010

Meu último dia vivo (ou apenas mais um dia vivo)

Minha morte não é novidade. Soube dela há quatro anos. Um dia, assim de repente, senti que no dia dezessete de agosto de 2010 morreria do coração. Hoje é o dia dezessete e por enquanto está tudo bem. Minha morte potencial é inesperada, já que sou um rapaz de vinte e poucos anos. De antemão avisei alguns amigos da chance de minha partida. Prefiro rir do possível não cumprimento de minha premonição do que pegá-los de surpresa e causar grande desconforto. Meu testamento está escrito a mão no meu diário vermelho. Preferi não avisar parentes. Imagine se me levam a serio! Hoje, passaria o dia em uma bolha e morreria frustrado. Preferi viver pra ver.

Eu acordei em cima da hora. O despertador estava desregulado. Pulei da cama e tive a intenção de sair de casa em menos de dois minutos. Não queria chegar atrasado para minha aula de fotografia, faltei às três primeiras do semestre. Caso eu não faleça, as faltas seriam minha morte no final do período. Saí correndo da cama, botei a primeira roupa que encontrei, peguei minha bola de futebol e um calção (eu pretendia jogar bola hoje). Enquanto eu botava os sapatos, meu pai saiu de seu quarto e falou que passaria o café. Respondi que não havia tempo, mas acabei cedendo. Cinco minutos para quem está trinta, atrasado, não é nada. Já que vou morrer hoje, não tomar café com meu progenitor seria sacanagem. Tomei amargo. O gostoso do café foi ver que meu pai odiava formigas tanto quanto eu. Ele mata formigas como eu. Senti-me orgulhoso e feliz de estar passando este café da manhã com ele. Logo parti atrasadíssimo! Puta que pariu, pensei, vou ter que pegar aquele engarrafamento! Tô lascado! Estava mesmo.

O engarrafamento estava esplendoroso. Nunca, em todas as minhas idas para a faculdade, tinha pegado um engarrafamento daqueles. Era quase bonito. Os pontos mais críticos de lentidão tinham se encontrado. O que normalmente eu faria em 15 minutos, hoje eu faria em 30. Parei para curtir a melancolia de minha despedida desse mundo. Vi então que estava chovendo uma chuva leve, um sol distante iluminava os prédios do centro da cidade. Calculei que essa era a forma da natureza me dar um beijo molhado de tchau. Agradeci botando a mão para fora do vidro e deixando minha mão encharcar. Eu não sentia pressa de viver.

Meu Mp3 estava tocando no aleatório quando caiu em uma musica de um CD da Gal Costa que eu nunca gostei e nunca escutei inteiro e que meu amigo sempre dizia que era foda. “Gal – Fatal”. Já que eu vou morrer mesmo, porque não? Tirei do aleatório e deixei o CD rolar. Vai que a ironia do destino seria que eu teria um piripaque ouvindo um CD “Fatal”. Enquanto eu ouvia as músicas daquela gravação duvidosa com aquele violão grunhinhento, observava que minha fila do engarrafamento andava mais devagar do que as outras. Calculei que a culpa era do caminhão pesado que estava em minha frente carregado de não sei o que tentando subir uma rampa na primeira marcha. Li “Filho da mãe” numa placa do lado da luz do freio. Ri e disse para mim mesmo, Filho da mãe. Dei seta para o lado e mudei de pista. Duas músicas depois vi que o filho da mãe estava na puta que pariu e eu fiquei para trás na fila que agora cismava em ficar lerda. Eu já estava atrasado para a aula, não havia meio de curar esse mal. Agora bastava rezar para que o professor não fizesse chamada.

Dei a chance que a Gal Costa merecia de ganhar meu apreço. Ela não conseguiu. Decidi que assim que eu chegasse em casa, tiraria o álbum do Mp3. O “Gal Costa – acústico MTV” começou. Prefiro esse CD. É menos rebelde e mais doce aos ouvidos. Voltei para minha pista original acreditando que meu destino era seguir nela e concluí que tinha sido um erro querer ir para a do lado.

Enquanto eu me perdia entre embreagens, primeiras e segundas marchas e aceleradores, comecei a sentir dor de cabeça por fome e ao mesmo tempo comecei a pensar como foi conveniente minha vinda para a Bahia. Desta forma, pude me despedir de todos meus amigos da melhor forma possível. Poucas pessoas conseguem fazer uma festa de despedida assim com tanta alegria. É gostoso não ter uma morte melancólica. Fiquei triste imaginando meus pais tendo que lidar com minha mortitude. Ainda bem que nos últimos tempos tiramos muitas fotos e fizemos filmes diversos. Eles terão como se lembrar de minha maneira e de minhas manias. Tenho guardado gravações de vídeo de todas minhas musicas e as salvei em uma pasta óbvia no meu computador. Aproveitei e salvei todos os meus textos numa outra pasta. Deixei minhas coisas organizadas para que possam lembrar de mim sem dificuldade.

Um professor de filosofia um dia me disse que muitos jovens têm a sensação que vão morrer jovens. Completou dizendo que essa sensação é típica de quem não consegue se conceber maduro, adulto, crescido. É uma sensação de transição. É mais fácil se imaginar morto do que responsável. Nisso, eu acredito. Temo a responsabilidade como uma jaca teme o chão.

Um Opala venenoso entrou na minha frente. Estava tentando ir para a fileira da extrema esquerda que, naquele momento, estava mais rápida. No vidro traseiro estava uma propaganda política de um rapaz com olhar 43 e um bigodinho Sanchez muquirana. Eu via naquela cara tanta picaretagem que sentia que aquele adesivo só podia estar colado naquele carro. Gravei seu número, sabia agora que naquele sujeito eu não votaria. Me deleitei em silêncio quando vi que o Opala venenoso ficou pra trás uns 6 carros depois que chegou na sua pista que presumia ser mais rápida. Normalmente implico com os carros vermelhos. Não gosto de carros vermelhos. Logo após o encontro com o Opala, eu me encontrei entre um carro vermelho e outro mais ainda. Percebi que aquela era minha hora. Dois carros vermelhos me rodeando não poderia ser coisa boa. Confesso que meu coração acelerou um pouco, mas no fim das contas não foi nada. Eles se dissolveram entre os outros carros assim que eu me distraí.

Cheguei à faculdade salvo! Estava quase meia hora atrasado. Estacionei o carro numa vaga miserável que ficava no fundo numa área aberta, tomei chuva até chegar ao pavilhão, onde já estava acontecendo a aula. Quando se está atrasado para um compromisso, não se pensa na sua mortalidade. Entrei na sala fazendo o mínimo de barulho possível. Dei um bom dia com um aceno com a cabeça para o professor e sentei a três cadeiras da primeira. A sala estava semi-cheia. A aula foi normal. Aprendi sobre a sensibilidade dos filmes. Gostei. Anotei como se fosse fazer todas as avaliações do curso. Eu nunca fui bom com premonições. Acertei poucas coisas na vida. Meu instinto sempre teve a mira torta. Vai que eu não vou dessa pra uma melhor. Não posso prejudicar meu mais provável futuro acadêmico.

No intervalo, comi uma coxinha de galinha fria e fiquei desolado por não ter café. A energia da cafeteria tinha acabado. Se Deus existe, essa foi uma maneira muito sacana de boicotar meu último dia. Ele não devia ter me tirado o café. Logo o café! Tirava a coxinha! Eu não ligo pra coxinha! Mas depois percebi a sagacidade do ato divino. Ele me deu a coxinha engordurada pra dar o empurrãozinho no ataque cardíaco. Há! Agora sim entendo as linhas tortas de Deus!

A aula continuou sem grande emoção. O dia estava estranhamente frio. O professor disse que precisaríamos de câmeras profissionais para fazer o curso. Lá se vai uma grana... Se eu morrer, o dinheiro da Câmera vai para o enterro. Quando a aula acabou, um amigo chegou pedindo carona. O dia estava chuvoso. Companhias são sempre bem-vindas. Entraí! Ele entrou com o pretexto de ser meu conselheiro amoroso. Falou os certos e errados de uma investida, onde errei, como errei. Durante parte do discurso dele fiquei feliz que não deixarei nenhuma namorada pra trás. Ter um namorado que morreu seria uma péssima história para carregar pela vida. Voltei a mim quando ele disse que seria muito triste viver sabendo que deixou par trás oportunidades com mulheres por falta de malícia. Pois é, eu não sou malicioso. Nunca fui. Acredito fortemente que minha vida foi o que foi por causa de minha falta de malícia. Os amigos que tenho, as namoradas que tive, as namoradas que não tive, minha relação com a família. Acredito que minha falta de malícia me permitiu ser mais amável. Essa mesma essência quase boboca é a mesma que me levou para a arte em vez de para a academia. Preferi escrever poemas sobre o sofrimento a mudar meu comportamento e minha aparência.

Cheguei em casa morto de cansaço. Queria dormir. Parei para ler um pouco no sofá. Quando comecei a ficar doído, decidi ir para meu quarto ler deitado. Dormi em poucos minutos. Era um livro pouco atraente sobre conceitos básicos da fotografia. Sonhei com gente que já tava morta, com gente que me matou por dentro, com gente que vi há pouco tempo e com gente que me dava raiva. O sonho terminou com meu pai me acordando para almoçar. Que alívio. Fui almoçar. Eu, minha mãe e meu pai. Um prato de carne assumidamente feio por meus pais e pela cozinheira. “A culpa é do supermercado barato com carne bichada!” Todos concordavam. Pra mim a carne estava igual à de sempre... Mas tudo bem. Achei gostoso meu ultimo almoço com meus pais. Enquanto eu acordava e mastigava as primeiras garfadas, pensava em como era curioso que eu não me afetava por saber que estava por morrer a qualquer momento. Em nenhum momento nesses quatro anos eu me afetei e fiz besteiras inconseqüentes por saber exatamente o dia de minha ida. Talvez essa noção só me fez mais livre para viver com mais espontaneidade. Não me fiz maluco nem delinqüente, me fiz autêntico. Preferi viver a meu bel-prazer. Fiz o que me dá prazer, mesmo isso sendo aquilo que não me dá prazer direto. Acredito que trouxe felicidade a muitos. E poucas tristezas a poucos. Isso me deixa feliz. Morro tranqüilo.

Após o almoço levei meu pai ao trabalho e me despedi de minha mãe que ia ao médico tirar uns pontos. Mais tarde meu pai iria ao aeroporto para ir à São Paulo. Despedi-me dele como se fosse nada mais que um “até breve”. Ele não entenderia um abraço excepcionalmente apertado. Cheguei em casa, minha mãe ainda não havia voltado. Abri o computador, respondi a uma amiga que perguntara se ainda estava vivo. Comi chocolates. Pedi um café para a cozinheira que me trouxe na bandeja um café extra-forte. Fiquei extremamente feliz. Tomei o café enquanto dava conselhos para uma amiga desamparada por MSN. O café me soltou o intestino. Fui ao banheiro e senti como seria o alivio de uma última cagada. Pensei que poderia morrer fazendo o esforço básico abdominal, mas o café me privou desse desconforto. Continuei respirando. Botei um bom ar. Continuei respirando. A vida insistia. Logo aquele mundo virtual me deixou cansado. Um amigo me ligou para tocarmos violão e tentar compor algo. Disse que não. Eu não queria me arriscar em mais um engarrafamento. Eu estava sobrevivendo o dia em calma, bastava a eminência de um ataque cardíaco. Prefiro morrer de ataque cardíaco do que de acidente de carro. Não quero estar desfigurado, para o reconhecimento no IML. Sem contar que em questão de caixão, é melhor ser um morto apresentável. Acho que falecendo do coração posso ter uma expressão mais tranqüila. Não quero ser enterrado. Quero ser cremado. Tenho horror a larvas e cadáveres semi-decompostos. Taque minha cinza em qualquer lugar, só não quero ficar num lugar só. Num poema escrevi que o homem só é livre de verdade quando suas cinzas estão soltas no vento. Sentei no computador e decidi escrever sobre hoje.

Minha mãe chegou há mais ou menos um parágrafo. Por enquanto estou vivo. Anoiteceu. Bebi bastante café. Não sei o que fazer para passar o tempo. Me sinto num aeroporto esperando para embarcar num vôo atrasado sem previsão para decolagem. Chequei e-mail, Orkut, respondi mensagens, escutei músicas, tentei compor uma, assisti “Friends” e depois “Simpsons”. Quando fui assistir “Two and a half men”, senti um aperto no peito. Eu pensei que estava para acontecer o inevitável. Sentia minha válvula mitral tremendo, minhas veias comprimindo. Botei o dedo na jugular para ver como estavam meus batimentos. Doía. De repente me bateu uma dificuldade de respirar, como se eu tivesse entupido, ou inchando. Não sabia ao certo, não sabia o que era. Fiquei sentado, imóvel, tentando descobrir se isso era placebo ou o embarque final para meu destino final. Fui à cozinha, bebi uma água, depois um suco. Nada fazia passar a sensação de desconforto. Relaxei. O que for, será. Continuei assistindo o seriado. Quando acabou, ainda estava vivo. Fui ao computador mais uma vez e gravei minha ideia musical. Conversei com minha mãe sobre meus projetos com meus amigos, e falei das ultimas criações, mostrei a pasta com os vídeos das minhas musicas. Foi muito prazeroso. Minha mãe é querida. Tomamos sopa, bebemos suco de uva, arrumamos a mesa para o café da manhã e tudo parecia estar perfeitamente normal.

Aos poucos fui assumindo que minha ideia de morte prevista era um delírio de menino besta. Fiquei feliz de não ter espalhado o boato a todos os ventos. A tranqüilidade da minha família não precisou ser abalada. Escovei os dentes, liguei o Ar, me cobri, peguei o Laptop e continuei escrevendo até às 23h. Amanhã tenho que acordar cedo. Tenho aula de produção gráfica. Gosto de estar arrumado e disposto. Espero não morrer nessa próxima uma hora. Não gostaria de morrer amanhã também não. No fundo, não gostaria mais de prever minha morte. Tem certos segredos da vida que devem se manter como são. Devemos viver até morrer e pronto. De resto, a gente faz o que der na telha.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Carta Ao filho - ou Meu Pai deve ter sido Poeta

Rio de janeiro 18 de outubro de 1993 "Não está morto o que em eterno jaz, pois o tempo até a morte desfaz" Filho, não sei quando você vai ler esta carta, nem sei se um dia você irá lê-la, mas escrevo com este niilismo corrente das impossibilidades do destino. Como não sei quando você a terá em mãos espero ser o, mas completo em minhas palavras. Da sua Infância para que sempre busque ser rei de seus sentimentos de brincadeira Sei que você nem chegou a conhecer seu papai, e sei que isso deve ser triste de mais, ver seus amiguinhos entregando presentes dos dias dos pais e sua mãe tendo que recebê-los mais e mais, mas papai sabe que você sempre ficou ao lado de sua mãe, você foi o homem da casa pois aprendeu desde cedo que a vida não era fácil. Gosto muito de sua mãe, então cuide bem dela, você já deve ter se perguntado, o porquê do papai não morar mais com você já que sua mamãe é a , melhor mãe do mundo, certo? Gosto muito dela, e provavelmente gostarei dela para sempre, ele me deu você, que é minha maior inspiração posso te dizer filho, que há duas coisas mais perigosas do que tudo na vida, o medo e o tempo. Garoto, o medo é tudo o que você não sabe, e não é feio admitir nossos medos, e nesta sua idade é comum termos medos do que não conhecemos, e por isso sei que deve, de certa forma ter medo dos assuntos relacionados a seu pai, a min., viver sem saber onde seu pai está e viver querendo que ele volta e, ainda mais, não saber como reagir se o encontrar, esses são medos que te fortificam e fortalecem. E o tempo filho é o único que sempre esteve lá e sempre estará ele não para nunca de vigiar e cuidar vive sempre de lembrar e não se cansa de esperar. Não brinque com ele. E ponto. Pois ele não gosta de se perder, e nem que outros o percam, ele pode ser pequenino como uma duração de uma brincadeira e infinito como esperar para crescer. Cuide bem dele, senão ele vai assustar você. Da sua juventude para que busque sempre ser fortaleza dos sentimentos Filho, existe uma coisa, da qual você tomará conhecimento nesta faze de sua vida que vai ser perene em sua formação de personalidade e no seu modo de agir. É o motivo de o mundo andar com tantas guerras e a primeira lembrança de sofrimento que teremos, muitas pessoas tentaram explicar por que acontece e como cansamos de repeti-lo e não cansamos de tentar faze - lo perfeito. O amor vai assolar você para o bem ou para o mal de seus textos, e esse é um bom modo de saber como sua cabeça jovem pensa amor, somente revise seus textos e perceba que amor eles querem dizer como este texto meu para você filho. A parte mais difícil de sair da juventude, é mudar a sua visão do mundo com relação as mulheres, é uma coisa que é difícil, sair do conforto do amor materno e partir para as desventuras do coração. Filho há uma coisa que você sempre ouvirá, mas não deixará que isso te abale, muitos estudiosos afirmam que as mulheres amadurecem mais rápido, e isso é verdade, mas o homem ama primeiro. Eu poderia ficar falando de como você vai se revoltar com sua mãe, de como você talvez vá odiar sua escola e de como a política vai te parecer chata, mas escolhi algo mais interessante para falar. O amor. Por isso vou relatar como nossa sociedade vive em função das mulheres, sim, a juventude será o momento em que você irá perceber o verdadeiro poder delas, não sei se elas sabem, mas elas nos tem nas mãos você irá sofrer se perguntando porque ela está com outro cara se o cara certo para ela é você mas tarde você irá perceber que uma mulher tem muitos homens querendo fazê-la feliz, querendo adorá- la. E certamente o amor vai te mostrar que o não ter adquire um novo significado. O não tê-la é simplesmente não se conhecer em felicidade plena, o não tê-la em beijos abraços é simplesmente não conhecer o melhor de si, por isso o amor se faz necessário na juventude. Da Maturidade para que possa ver cada dia como uma nova possibilidade Filho, se você receber esta carta nesta época sei que entenderá minhas palavras plenamente quando explico o motivo de não ter entregado pessoalmente a carta a você. Estou doente, e provavelmente quando receber esta carta estarei morto, não tinha muito tempo de vida quando deixei sua mãe só, fui fraco. Admito. As pessoas costumam demorar muito para formarem personalidades, e quando deixam de adotar pacotes básicos de personalidades durante a vida tendem a criar algo novo, propriamente seu, entretanto, quando isso as ocorre se fecham para o mundo a fora guardando sua personalidade, como se fosse a única coisa que as diferenciasse dos outros. E elas param aí. As pessoas não mudam do mesmo modo que a maturidade. Filho espero que você não pense que maturidade é somente terminar faculdade constituir família e aproveitar a estabilidade de um bom relacionamento com os filhos e família. A graça da maturidade é ver seus filhos fazendo o que você fez de errado na juventude e aconselhá-lo. Eu não pude fazer isso com você, mas sei que a escola da vida te ensinou tudo, não é verdade? Aprendemos a maior parte das coisas da vida na rua, quando saímos do conforto do lar.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O mundo entre a boca e o nariz

Quis pensar em flores ou no ar puro da montanha. Tentei até me levar para um restaurante japonês. A carne crua do peixe, rosado, fedorento, gostoso. O problema era o cheiro do peixe. Não gosto de cheiro forte. Deus me fez com nariz entupido sabendo minha disposição a não gostar de cheiros carregados. Um azedo bacteriado quase putrefato. Como são cruéis os cheiros do fim do dia, do início da manhã. Pobre são os povos nórdicos e suas temperaturas baixas e seus poucos banhos. A consumação no frio peca pelo excesso de roupas e pelo azedo impregnado em todas as camadas da vestimenta.

Tentei tomar coragem. Contei até três, depois até cinco, se deixasse, chegava a números que eu não saberia nem o nome. Queria dar o prazer de um presente bem dado. Não dava. Se ao menos o mau cheiro também fosse meu... Dois sujos se anulam. Não. Eu estava limpo. Banho tomado, dente escovado, perfume posto e barba feita. Nunca gostei de comer bacalhau, nem ostra, nem sarapatel. Gosto de comida cheirosa. Feijoada, carne de churrasco, pizza à lenha. Sabor específico e não exagerado. Aromático, convidativo.

Só havia uma solução para o infortúnio. Era deveras indelicada. Era tudo ou nada! Como dizer? Como frasear? Como conseguir? Como interromper? No desespero tive que ser rude da maneira mais eufêmica. Meu bem, estamos com cheiro de dia. Vamos ao banho? Sucesso.

A água corrente é revigorante, milagrosa, saborosa, deliciosa! Uma roupa nova para o mesmo corpo. Uma nova textura para a mesma pele. Um novo tempero para cada velho azedo. Estupenda sensação de renascimento. Não é a toa que só existe vida onde existe água.

Não precisava mais pensar em flores, em perfumes, em sabores raros. A realidade enxaguada era a mais saborosa de se deleitar. Me perdi como um garoto que passa o dia na praia cavando para chegar na China. Esqueci meu nome, perdi a hora, deixei de existir. Ela também.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Chafé

O chá estava com gosto de café, mas tudo bem. Aprendi que a diferença principal entre o gato e a lebre está no tamanho da fome. Não queria aquele chá. Acabei tomando, já tinha pagado e dado um gole. Não gosto de devolver sanduiche mordido nem bebida tomada, mas tudo bem, não escrevi para falar do chá e sim do que me fez tomar o chá. Eu queria escrever. Para escrever, eu preciso tomar algo que me dê tempo de pensar. A inspiração às vezes é mecânica. O tema era complicado. Queria falar na entrelinha e impressionar o olhar atento, mas acabei me focando mais no chá. Ele havia esfriado muito rápido. Talvez, eu escrevi muito devagar. Falar não falando é trabalhoso.

Enquanto eu escrevia, eu pensava em ser direto de vez e deixar claro logo minhas intenções. Mas dizer o já dito e citar o já citado não vale a pena quando se quer prender a atenção. Aspas serviriam se minha óbvia vontade fosse explícita. O que cabe aqui entre os meus As e Bs é muito mais uma sensação que não cabe no texto. Quero ter entre essas palavras o sentimento que não está nelas, quero o sentimento que será sentido a partir delas. Quero com elas, no olhar atento, daquela pessoa, que eu espero que leia e esteja atenta, que ela veja e entenda que eu quero que ela veja e entenda.

Falei o suficiente. O chá já não presta mais. A conta está paga. Agora é esperar a digestão pra ver se o chá era chá ou se era mesmo um café aguado.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Pastores da Lapa - Ou porquê não acreditamos em mãe de televisão

Fiz um apartheid em meu coração para segregar minha mente de flores .
Eram tempos áureos, as minhas décadas de menino na lapa, fui separado de amor de mãe desde que me lembro, e a melhor parte é que me lembro bem. As pessoas que costumam vir de família têm a mania de esquecer seu passado e perder sua tradição. Já diziam os boêmios da lapa "pai nobre, filho rico neto pobre", mas nós que moramos na rua temos sempre que lembrar de onde viemos. Nossas origens, mesmo que não sejam nossas, mesmo que sejam nebulosas. Nós que moramos nas ruas temos tradição. Uma tradição que surgiu da decadência das suas tradições enquanto a sua atingia o chão a nossa descia o morro e quando as suas lembranças eram esquecidas, nós fazíamos questão de transformar em coisa nossa. E nessa nossa caminhada, onde o governo quebrava nossos joelhos com cassetetes azuis e tínhamos um abrigo, tínhamos um seio maternal e amigo. Tínhamos a quem lamentar e servir. Tínhamos a Lapa. A Lapa era nossa verdadeira mãe. Desde que me tenho como gente andava com meus amigos pelas ruas da cidade. Éramos quatro em busca de comida e dinheiro. Não éramos considerados quadrilhas bondes ou essas coisas que vocês vêem por aí hoje, éramos bicho. Às vezes ficávamos nas ruas da Cinelândia até tarde para assaltar os casais que se enamoravam. Convivíamos ao lado de putas e travestis, de músicos e deputados. Estávamos no centro dos acontecimentos sempre na hora certa com a desculpa certa para o policial errado. E foi assim que o bairro nos acolheu. Você já deve ter visto nas portas dos bancos na Presidente Vargas mendigos dormindo a noite. Na minha época a cidade tinha poucos filhos. Como mãe, era um pouco cativa. Numa caminhada pelas ruas de hoje você pode ver muitas pessoas nas ruas. E certo que há muitas pessoas nelas, mas falo de pessoas especiais que ouvem os sons da cidade enquanto ela repousa. Você nunca pensou para onde vão as pessoas que desaparecem? A cidade acolhe aqueles que cantam e sambam para não sentirem fome. A cidade abraça aqueles objetivados pela solidão, nós, cansados de viver sozinhos e apadrinhados pelo vazio dos corações sem carinho. Somos adotados pela rua então. E como tenho uma mãe de pele negra. Às vezes doce e quente e as vezes fria e silenciosa. Como temos uma mãe que nos canta seus caminhos em busca de nos manter vivos e fugir do sussurro dos cassetetes da guarda municipal, não creio e nunca vi mãe dessas de televisão ou "mãe" como as que vocês tem. Ouso até achar que suas mães são as piores possíveis. São as mães que mentem para os filhos dizendo que está tudo bem e que tudo vai ficar bem quando se sabe pelas profecias nas encruzilhadas que não teremos salvação. Mãe de televisão (e as suas mães também) são as que mais sofrem por verem seus sonhos morrerem a cada escolha do filho. É isso. Por isso acredito nesta mãe de asfalto que deixa nossas escolhas nos devorarem como aprendizado prático, não aquelas que trabalham duro para que a CASA fique em bom estado. Nós lutamos para que a rua fique em um ótimo estado. As pessoas não desaparecem a toa e você bem sabe que os mendigos não estão realmente falando sozinhos. É só o filho contando suas aventurar para a mãe e e mãe buscando novos filhos.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Dona Maria e sua filha

Sou infértil. Meus ovários valem menos que um punhado de areia. A vida é uma merda. Minha vizinha não queria nem o primeiro, agora já está no quarto. Mundo injusto. Eu que nasci para ser mãe, para ser mamãe... Tenho meus cachorros, tenho um aquário, tenho meu trabalho... Mas não tenho quem me chame de mãe. Isso não é vida. Injustiça.

Vou para o parque. Vejo as mães, vejo as filhas, vejo até as empregadas... as vejo de mãos dadas. E eu fico ali, vendo. Eu fico vendo um bom tempo... né?! A gente não tem muito o que fazer quando é bichada.

Escrevo histórias, adoro contar histórias, eu faço. Queria fazer um livro. Vou fazer um livro cheio de histórias. E contar para crianças, e quando elas ouvirem a minha história será quando serei mãe e eles meus filhos, cada um. Só assim tenho filhos.

Um dia vi uma menina esquecida no parque. Devia ser a filha da Elizabeth, a horrível Elizabeth. Que mãe desnaturada! Não merecia ter aquele anjo dentro de casa. Eu deveria ser a mãe dela, eu deveria provir com a casa. Eu serei uma mãe mais empenhada! Vou levar ela pra lá, terei ela como filha, agora sim ela será bem tratada. Venha com tia, anjo, venha com sua nova mãe.

Terceiro andar do prédio 15, minha casa, minhas histórias, minha filha. Pequenina. Sente-se no sofá. Quer uma água? Vou lá buscar. O que deu em ti menina? Porque fica olhando pela janela? Ela quer ver a mãe dela. Com certeza. É isso. Ela nunca ficaria aqui. Mãe só é mãe no parto. Vou levar-la de volta. Que loucura. Estou louca. Como sou capaz? Mas olha ela. Olha ela aqui... Não há melhor lugar do que aqui. Vem aqui. Vou te contar uma história. Sente no meu colo. Upa. Um dia uma menina fugiu de casa, ela brigava muito com sua mãe e sua mãe brigava muito com ela até que um dia essa menina fugiu de casa. Ela foi pela cidade, viu gente estranha, viu rua suja, viu o mundo quando ela foi pela cidade. Viu que ela não fazia parte daquele mundo, viu que aquele mundo era muito complicado, dentro dela tudo era tão mais perfeito e ideal, então ela caminhou de volta para casa e continuou brigada com a mãe, mas o mundo dela ainda estava salvo, na casa de mãe se está sempre bem .

Gostou? Tudo bem, não precisa responder agora. O que você tanto olha pela janela? Você este procurando alguém? Você quer a sua mãe? Você me quer de mãe? Eu sou sua mãe!! Tudo bem. Não precisa falar. Eu te levo de volta pra casa. Desculpa. Eu estava errada. O que foi? Eu?! Claro! Então eu dei nela um abraço apertado peguei sua mãozinha de menina quase nada e fiquei com ele em minha casa. Ela foi a filha mais lisonjeada. Dei presente, dei carinho, dei estudo, dei caminho. E ela amou ser minha filha e eu amei ser mãe dela. Mas um dia, acharam-me culpada por seqüestro, não foi seqüestro, seu meritíssimo, foi salvação. Agora ela vai ser entregue a pais menos dedicados. Aqui ela sempre seria amada, lá ela será só mais uma. Deixe-a comigo! Eu não sou louca! Eu sou infértil! Eu tenho amor para dar! Eu tenho amor para dar! Então eu fui presa e estou até agora. E a cada mês sai de mim mais uma vida frustrada.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Era domingo

Quando virei para o lado, a certeza que ela ainda estaria acordada era grande. Um sorriso meu bastou para um sorriso dela. Minha mão alcançou seus descabelos, tentei colocá-los fora de seu olho semi coberto, em vão. Os cabelos têm vontades além dos dedos. Fitei suas feições. As dobras, as marcas, os contornos, os relevos, os desenhos. A penumbra criava um novo rosto que agora eu reconhecia. O calor mantinha uma leve camada de suor em nós. Brisas leves sopravam delicias, minha boca insistente não se saciava; Queria lábios, achava pescoço, esbarrava em covinhas, descobria ossinhos, envolvia pintinhas. Fogosos e vagarosos abraços seguidos por risinhos agudos e aquela sensação incrível de ter chegado além.

Assim que percebi o primeiro risco de roxo no céu que era antes apenas breu, fui tomado uma melancolia tosca de quem acaba de ter noção do tempo. O amanhã chegara. Era segunda. Quase chorei. Ela não imaginava a fatalidade. Era bonito vê-la ainda de domingo. Seu corpo ainda era descanso, sua alma ainda era calma, seu sorriso era só um breve e descomplicado sorriso.

Chamei-a para mais perto de mim. Pedi um abraço. Seu cheiro era insaciável. Adorava quando ela não usava perfume, bases, sombras, batons. Beijei seu ouvido coberto de cabelo. Inspirei. “Adoro você assim”. Ela não respondeu, mas suas pernas entrelaçando as minhas dava a entender o que não precisava ser dito. O céu alaranjava. Mordi seu colo como quem queria guardar um pouco dela para suportar a vida cruel dos afazeres. Ela abraçava e apertava minha face contra seu peito. Eu mergulhei ouvindo seu coração. Meu deus! Como é bom esse carinho! Uma lágrima distraída escorreu despercebida, a alvorada cantava bom dia.

Ela, naturalmente, assim que percebeu o sol, fez-se livre de mim. “Estou atrasada!”. A partir de então fui violentado em cada ação do inevitável. O cabelo, agora preso, os movimentos rápidos pelo armário, o barulho do chinelo, o calor e a luz exagerada do sol, a água do banho, o cheiro do xampu, do desodorante, do perfume, do batom, do blush, do café, todas as roupas, o pão mal comido, o beijo rápido de despedida, a solidão.

Agora faltam dias intermináveis até chegar sexta-feira. Não quero imaginar as horas, as refeições, as ligações, as cobranças. Tanta coisa! Como se a saudade não bastasse... Fatídico cotidiano. Triste existência. Cruel realidade.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Tolices, tolices

O maior problema de quem escreve é querer contar uma verdade. A vontade de ser lido e acreditado faz com que o escritor minta desvairadamente. Ser dono de uma frase de efeito, metafórica, possivelmente eterna e aplicável em toda humanidade há de ser uma bela mentira para que possa virar uma verdade aderida e adorada. Então, esclareço a vós que me lêem neste momento, que minto. Da primeira letra que escrevi lá em cima até a última que escreverei lá em baixo. Tudo mentira.

Isso posto de lado, posso confessar que acredito em paixões platônicas. Não só acredito como aplico no meu cotidiano. Adoro adorar uma desconhecida. Uma vizinha que se vê de relance, uma adolescente comprando cigarro escondido numa banca, as universitárias que enchem a cara, falam besteiras, dançam na mesa e não estão nem aí. Eu tenho uma paixão louca por aquelas que mal olham pra mim. Sou um apaixonado incontrolável. Uma vez sentei-me ao lado de uma moça no ônibus quando retornava do centro em direção ao flamengo. Não devo ter ficado mais que oito minutos ao seu lado. Talvez até menos levando em consideração o tempo que eu demorei para passar na roleta e o tempo de sair do ônibus. Fiquei cinco minutos ao lado dela. Bastou um olhar, um “boa noite” e um livro que ela segurava do Oscar Wilde para conquistar meu fascínio.

Ah! As pessoas não entendem que as paixões devem ser platônicas. Olhar, imaginar, planejar uma aproximação em grande estilo, como um Marlon Brando... Aí que reina o romance! O frio na barriga, aquele velho, batido, relembrado desde a antiguidade. Ele não vem de sorvetes de domingos perdidos em um aniversário de cinco anos de namoro. O frio vem no momento que precede o sim ou o não. No momento que precede e que perdura o primeiro e o segundo beijo. Esse frio está no momento em que se perde de vista aquela pessoa que se estava trocando olhares, sendo que, também os olhares davam aquele frio.

As pessoas acham que paixão é ter ataque de ciúme, que posse é prova de amor. Posse é prova de impotência. A posse prova a insegurança. Ela é o medo de estar sozinho, medo de não se querido de verdade. A posse é para quem não sabe amar. Posse é para forçar o amor do outro. O amor deve ser amado. Uma das formulas da felicidade é deixar um amor livre e vê-lo voltar para amar de volta, mas sempre deixando voar.

O amor espontâneo é espontâneo porque é amor. Se não for espontâneo, não é amor e pronto. Pode ser outro tipo de afeto, mas amor, amor... Não. A espontaneidade de um amor está na vontade de ver um sorriso de surpresa, um pulo de alegria, uma lágrima de emoção. Não está em simples manutenção. Na obrigação da renovação.

A cada casal que vejo na rua de mãos dadas e olhares vagos, sinto uma tristeza... Vejo a frieza da comodidade. Não acredito na comodidade. Acredito na intensidade! Acredito em Vinicius de Morais. Acredito na chama! Que haja sofrimento entre cada alegria. Mas que haja alegria. A alegria é energia de renovação. O mundo seria melhor se as pessoas pudessem mudar mais. Que fosse normal mudar de time, de nacionalidade, de casa, de amizades. É preciso! Renovar é viver.

As paixões devem ser platônicas. Cada entrega deve ser inteira. É um absurdo se privar do mundo. É preciso não negar o desejo de estar com outras pessoas. Cada pessoa é uma experiência, experiências não são desafetos. As pessoas precisam ser descobertas! Quantas pessoas interessantes não fizeram despertar uma emoção? A alma diz sim, o corpo diz sim, mas a mente diz não... francamente!

Peço também que isso não seja lido com um manifesto pela galhinhagem. A vida vai além de quantas gozadas, quantas minas e quantos caras. A pessoa é mais do que um órgão genital. É mais que uma boca. Sem contar com as inúmeras doenças que você pode pegar na vadiagem. Prezo pelo interesse pessoal. Prezo por um bom diálogo e dos carinhos feitos com o tato. Nós somos tão mais do que gênero, preferência sexual, e estética... Tão mais!

Eu já perdi a conta de quantas mulheres me cativam a curiosidade. Coisa de conversas rápidas em pequenas festas sociais na casa de alguém... Aquela que faz pintura, a que faz cinema, a que não sabe o que vai fazer, a que odeia o mundo, a que quer salvar o mundo... São ideologias, histórias, famílias... É um mundo em cada pessoa. É o charme que cada alma traz para expressão dos olhos, para a entonação da voz... A pessoa é o conjunto. Como é possível só se interessar por uma pessoa? O mundo é um mundo de pessoas que valem a pena.

Quando paro para conversar com alguém que me atrai, normalmente me inundo de emoções. Posso até gaguejar. Estou defronte com o resultado da história do universo. Somos o resultado de bilhões de anos resumidos em gestos, olhares, respirações... Como não se entregar a uma paixão nessa condição? Principalmente se ela também gosta de Café Paris, acha muito engraçado aquele filme do Woody Allen e ao mesmo tempo ama a saga do Rocky e do American Pie... Ou até outras coisas... Em cada pessoa, uma graça.

Como não sentir saudades?! Como?! Saudades são tão intensas e tão verdadeiras! Morrer de saudade... É possível. A saudade é física. A saudade encobre e comprime o coração. Ela alfineta uma respiração mais profunda. Ela pesa ou eleva o passo. A Saudade é aquela vontade de rever ao mesmo tempo em que às vezes é a vontade de esquecer. A saudade é aquela bebida que se você beber aos poucos não enjoa, não tem ressaca e não se embebeda. Mas se você exagerar, não tenha dúvida que será uma tortura. Pois a Saudade também é fruto da falta, da ausência, da vontade de algo que não está lá. E para esse tipo de saudade tenha “uma bebida por perto, porque você pode estar certo que vai chorar”.

Antes sentir saudade de alguma coisa qualquer do que não sentir saudade de nada.

Então, assim, desta maneira, termino minhas mentiras e minhas frases de efeito vindas desse banho de ilusão que me banha e que está pronta para banhar de mentiras quem mais quiser acreditar nesses absurdos.

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Há mais poesia num Homem Bomba do que numa declaração de amor

Fora a ideia grotesca de explodir pessoas desconhecidas, queimar outras tantas e traumatizar outras muitas tantas, temo dizer que acho o homem bomba um ser profundamente poético. Principalmente por não ter a coragem de fazer igual e de não ter convicções. Sou um simples quase cristão, patético, pseudo-intelectual com dificuldades de assumir minha posição social. Acho difícil acreditar em quase tudo. Acredito na loucura. Acredito no ápice extremo da loucura; A completa falta de sentido e a maior força de vontade imaginável: Se explodir por uma convicção.

Ser levado por uma crença tão potente que faz subverter o instinto mais primário, o da sobrevivência. Acreditar que esse mundo é só esse mundo. Acreditar que esse mundo e essa vida são pouca coisa, quase nada. É Ter certeza absoluta inquestionável de que há outro lugar melhor. É acreditar que essa é a verdade e o único caminho bom. É desprezar veementemente o diferente, o impuro, o ignorante. E poder explodir sem medo e sem remorso a si e aos outros. Aceitar-se aos pedaços sabendo que não se é inteiro enquanto matéria.

Imagino como deve ser ter uma explosão como gozo divino de destino comprido. Uma razão de vida. Uma razão de morte. Uma ordem que de uma maneira bizarra faz sentido. Ser extremista convicto. Acreditar com certeza. Como deve ser belo não ter dúvidas, não depender da razão. Ter fé.

Diante dessa comparação vejo como é triste uma vida burocrática, uma morte acidental, vascular. Não ver sentido na vida, não ter ética, não ter moral, não ter fé. Ter a vida como um mero acaso. Um espirro, uma trepada, um acidente, um não aborto. Viver em prol do que? A gente realmente acredita em Adão e Eva? O próprio livre-arbítrio deixa a gente um pouco desnorteado. Até que ponto realmente existe amor? Onde estão as linhas do cotidiano, do conforto, da carência, das obrigações?

Acredito mais em paixões do que amores. A paixão é a intensidade cega. O amor é comodismo. A paixão é roubar, matar, morrer. A paixão é totalitária, extremista, violenta, indubitável e incontrolável. Ela é todos os sintomas de um fundamentalista, de um louco, de um homem bomba. Uma paixão é maior do que a vida. Paixão é Guerra.

A paixão busca a satisfação, não o bem. A paixão é imediata, intensa e verdadeira. O amor é político, é ceder, é negociar, é longo prazo. Nessa hora, tenho que assumir e citar que “em longo prazo estaremos todos mortos”.

Não gostaria de morrer explodido por um homem bomba, nem me satisfaço com a morte alheia. Mas não nego que vivemos num mundo tão apático, absurdo, horroroso e fodido que tenho poucas dúvidas em qual morte é mais digna e poética. Morrer de gordo ou por uma convicção.

Tudo é vazio. Nada faz sentido. Não existe Deus. Não existe destino. Não existe amor. O mundo é inventado. A liberdade é um mito. Se eu não morrer por acidente, morro de gordo, de velho ou de podre.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Terra erra, Marte arte

O poeta desconhecido declamava um novo e raivoso poema enquanto a plateia clamava por uma releitura de Olavo Bilac. Os ânimos estavam naturalmente centrados nos gigantes do passado e nos egos do presente. Cada um ludibriando o próprio. Eram listas de quem conhecia quem, de quem tinha o quê, das grandiosidades de cada umbigo. Ideias não eram trocadas, conversas não eram diálogos, ouvidos eram pinicos.

Podia-se dizer que era uma festa de pessoas ilustres, raras e super poderosas.Um rapaz se dava o ar de Deus enquanto aureava o reto dizendo que não errava. Outro dizia negar apresentações ao papa por não querer cansar a voz. Tinha até um Messias, que por medo de ser taxado de imaculado, não se revelou ao público como o salvador.

Quando a banda desconhecida subiu para mostrar sua música, não se espantou com o oposto do interesse misturado com o oposto do afeto. Enquanto eles tocavam algo levemente dissonante e cantavam uma letra levemente singular, eram ovacionados por gritos do estilo “toca Raul”, porém variando entre nomes de compositores desde a renascença até a década de 70 com safas exceções de 80 e 90.

O sentimento que pairava era de que ninguém prestava. Fora si, não havia mais criadores nem criaturas que merecessem respeito e atenção. O lado íntimo da inspiração virou um afirmativo chulo embebido no vago status de ser artista. Era o pé de guerra mais glamoroso. A troca de farpas mais ilustre. A alfinetada mais fingida. Um lugar onde sim era não e um sorriso não era um sorriso.

Um pintor desconhecido pendurava suas últimas criações. Outros pintores desconhecidos derramavam em um não acidente o conteúdo de seus copos nas telas afirmando co-autoria, plena autoria ou pior, diziam que os borrões não eram deles nem de ninguém ali, senão de Jackson Pollock ou Van Gogh ou outro não presente e famoso. Os elogios eram embriagantes.A presença dos ausentes era uma afirmativa de poder e influência inegável. Fora as difamações, comentários oportunos e fofocas, os ausentes e falecidos eram explicitamente adorados. Eram pessoas belas, boas, bacanas, bem humoradas... Só às vezes eram ressaltadas como babacas inescrutáveis, bastardos ingratos e biltres incuráveis. O básico.

O Ator desconhecido percebendo onde estava e com quem estava, falou que faria um texto de parceria entre Shakespeare e Brecht (único e raro). Todos se calaram e se estarreceram com tamanha novidade. Alguém tentou fazer as contas, mas ninguém sabia quando cada um tinha nascido. Acreditaram. O Ator deitou e rolou em cima da plateia. Apontou dedos, explicitou crueldades, fez o mais culpado rir e o mais inocente se chocar. Foi lindo. Mais poesia que o poeta, mais música que o músico, mais pintura que o pintor e muito além da própria atuação. A plateia aplaudiu insandecidamente. Todos concordavam que Shakespeare e Brecht foram visionários ao perceber como o homem tende a ser egocentrado e cruel, ao mesmo tempo em que concordaram que o único problema da apresentação foi o ator.