quinta-feira, 20 de maio de 2010

Dona Maria e sua filha

Sou infértil. Meus ovários valem menos que um punhado de areia. A vida é uma merda. Minha vizinha não queria nem o primeiro, agora já está no quarto. Mundo injusto. Eu que nasci para ser mãe, para ser mamãe... Tenho meus cachorros, tenho um aquário, tenho meu trabalho... Mas não tenho quem me chame de mãe. Isso não é vida. Injustiça.

Vou para o parque. Vejo as mães, vejo as filhas, vejo até as empregadas... as vejo de mãos dadas. E eu fico ali, vendo. Eu fico vendo um bom tempo... né?! A gente não tem muito o que fazer quando é bichada.

Escrevo histórias, adoro contar histórias, eu faço. Queria fazer um livro. Vou fazer um livro cheio de histórias. E contar para crianças, e quando elas ouvirem a minha história será quando serei mãe e eles meus filhos, cada um. Só assim tenho filhos.

Um dia vi uma menina esquecida no parque. Devia ser a filha da Elizabeth, a horrível Elizabeth. Que mãe desnaturada! Não merecia ter aquele anjo dentro de casa. Eu deveria ser a mãe dela, eu deveria provir com a casa. Eu serei uma mãe mais empenhada! Vou levar ela pra lá, terei ela como filha, agora sim ela será bem tratada. Venha com tia, anjo, venha com sua nova mãe.

Terceiro andar do prédio 15, minha casa, minhas histórias, minha filha. Pequenina. Sente-se no sofá. Quer uma água? Vou lá buscar. O que deu em ti menina? Porque fica olhando pela janela? Ela quer ver a mãe dela. Com certeza. É isso. Ela nunca ficaria aqui. Mãe só é mãe no parto. Vou levar-la de volta. Que loucura. Estou louca. Como sou capaz? Mas olha ela. Olha ela aqui... Não há melhor lugar do que aqui. Vem aqui. Vou te contar uma história. Sente no meu colo. Upa. Um dia uma menina fugiu de casa, ela brigava muito com sua mãe e sua mãe brigava muito com ela até que um dia essa menina fugiu de casa. Ela foi pela cidade, viu gente estranha, viu rua suja, viu o mundo quando ela foi pela cidade. Viu que ela não fazia parte daquele mundo, viu que aquele mundo era muito complicado, dentro dela tudo era tão mais perfeito e ideal, então ela caminhou de volta para casa e continuou brigada com a mãe, mas o mundo dela ainda estava salvo, na casa de mãe se está sempre bem .

Gostou? Tudo bem, não precisa responder agora. O que você tanto olha pela janela? Você este procurando alguém? Você quer a sua mãe? Você me quer de mãe? Eu sou sua mãe!! Tudo bem. Não precisa falar. Eu te levo de volta pra casa. Desculpa. Eu estava errada. O que foi? Eu?! Claro! Então eu dei nela um abraço apertado peguei sua mãozinha de menina quase nada e fiquei com ele em minha casa. Ela foi a filha mais lisonjeada. Dei presente, dei carinho, dei estudo, dei caminho. E ela amou ser minha filha e eu amei ser mãe dela. Mas um dia, acharam-me culpada por seqüestro, não foi seqüestro, seu meritíssimo, foi salvação. Agora ela vai ser entregue a pais menos dedicados. Aqui ela sempre seria amada, lá ela será só mais uma. Deixe-a comigo! Eu não sou louca! Eu sou infértil! Eu tenho amor para dar! Eu tenho amor para dar! Então eu fui presa e estou até agora. E a cada mês sai de mim mais uma vida frustrada.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Era domingo

Quando virei para o lado, a certeza que ela ainda estaria acordada era grande. Um sorriso meu bastou para um sorriso dela. Minha mão alcançou seus descabelos, tentei colocá-los fora de seu olho semi coberto, em vão. Os cabelos têm vontades além dos dedos. Fitei suas feições. As dobras, as marcas, os contornos, os relevos, os desenhos. A penumbra criava um novo rosto que agora eu reconhecia. O calor mantinha uma leve camada de suor em nós. Brisas leves sopravam delicias, minha boca insistente não se saciava; Queria lábios, achava pescoço, esbarrava em covinhas, descobria ossinhos, envolvia pintinhas. Fogosos e vagarosos abraços seguidos por risinhos agudos e aquela sensação incrível de ter chegado além.

Assim que percebi o primeiro risco de roxo no céu que era antes apenas breu, fui tomado uma melancolia tosca de quem acaba de ter noção do tempo. O amanhã chegara. Era segunda. Quase chorei. Ela não imaginava a fatalidade. Era bonito vê-la ainda de domingo. Seu corpo ainda era descanso, sua alma ainda era calma, seu sorriso era só um breve e descomplicado sorriso.

Chamei-a para mais perto de mim. Pedi um abraço. Seu cheiro era insaciável. Adorava quando ela não usava perfume, bases, sombras, batons. Beijei seu ouvido coberto de cabelo. Inspirei. “Adoro você assim”. Ela não respondeu, mas suas pernas entrelaçando as minhas dava a entender o que não precisava ser dito. O céu alaranjava. Mordi seu colo como quem queria guardar um pouco dela para suportar a vida cruel dos afazeres. Ela abraçava e apertava minha face contra seu peito. Eu mergulhei ouvindo seu coração. Meu deus! Como é bom esse carinho! Uma lágrima distraída escorreu despercebida, a alvorada cantava bom dia.

Ela, naturalmente, assim que percebeu o sol, fez-se livre de mim. “Estou atrasada!”. A partir de então fui violentado em cada ação do inevitável. O cabelo, agora preso, os movimentos rápidos pelo armário, o barulho do chinelo, o calor e a luz exagerada do sol, a água do banho, o cheiro do xampu, do desodorante, do perfume, do batom, do blush, do café, todas as roupas, o pão mal comido, o beijo rápido de despedida, a solidão.

Agora faltam dias intermináveis até chegar sexta-feira. Não quero imaginar as horas, as refeições, as ligações, as cobranças. Tanta coisa! Como se a saudade não bastasse... Fatídico cotidiano. Triste existência. Cruel realidade.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Tolices, tolices

O maior problema de quem escreve é querer contar uma verdade. A vontade de ser lido e acreditado faz com que o escritor minta desvairadamente. Ser dono de uma frase de efeito, metafórica, possivelmente eterna e aplicável em toda humanidade há de ser uma bela mentira para que possa virar uma verdade aderida e adorada. Então, esclareço a vós que me lêem neste momento, que minto. Da primeira letra que escrevi lá em cima até a última que escreverei lá em baixo. Tudo mentira.

Isso posto de lado, posso confessar que acredito em paixões platônicas. Não só acredito como aplico no meu cotidiano. Adoro adorar uma desconhecida. Uma vizinha que se vê de relance, uma adolescente comprando cigarro escondido numa banca, as universitárias que enchem a cara, falam besteiras, dançam na mesa e não estão nem aí. Eu tenho uma paixão louca por aquelas que mal olham pra mim. Sou um apaixonado incontrolável. Uma vez sentei-me ao lado de uma moça no ônibus quando retornava do centro em direção ao flamengo. Não devo ter ficado mais que oito minutos ao seu lado. Talvez até menos levando em consideração o tempo que eu demorei para passar na roleta e o tempo de sair do ônibus. Fiquei cinco minutos ao lado dela. Bastou um olhar, um “boa noite” e um livro que ela segurava do Oscar Wilde para conquistar meu fascínio.

Ah! As pessoas não entendem que as paixões devem ser platônicas. Olhar, imaginar, planejar uma aproximação em grande estilo, como um Marlon Brando... Aí que reina o romance! O frio na barriga, aquele velho, batido, relembrado desde a antiguidade. Ele não vem de sorvetes de domingos perdidos em um aniversário de cinco anos de namoro. O frio vem no momento que precede o sim ou o não. No momento que precede e que perdura o primeiro e o segundo beijo. Esse frio está no momento em que se perde de vista aquela pessoa que se estava trocando olhares, sendo que, também os olhares davam aquele frio.

As pessoas acham que paixão é ter ataque de ciúme, que posse é prova de amor. Posse é prova de impotência. A posse prova a insegurança. Ela é o medo de estar sozinho, medo de não se querido de verdade. A posse é para quem não sabe amar. Posse é para forçar o amor do outro. O amor deve ser amado. Uma das formulas da felicidade é deixar um amor livre e vê-lo voltar para amar de volta, mas sempre deixando voar.

O amor espontâneo é espontâneo porque é amor. Se não for espontâneo, não é amor e pronto. Pode ser outro tipo de afeto, mas amor, amor... Não. A espontaneidade de um amor está na vontade de ver um sorriso de surpresa, um pulo de alegria, uma lágrima de emoção. Não está em simples manutenção. Na obrigação da renovação.

A cada casal que vejo na rua de mãos dadas e olhares vagos, sinto uma tristeza... Vejo a frieza da comodidade. Não acredito na comodidade. Acredito na intensidade! Acredito em Vinicius de Morais. Acredito na chama! Que haja sofrimento entre cada alegria. Mas que haja alegria. A alegria é energia de renovação. O mundo seria melhor se as pessoas pudessem mudar mais. Que fosse normal mudar de time, de nacionalidade, de casa, de amizades. É preciso! Renovar é viver.

As paixões devem ser platônicas. Cada entrega deve ser inteira. É um absurdo se privar do mundo. É preciso não negar o desejo de estar com outras pessoas. Cada pessoa é uma experiência, experiências não são desafetos. As pessoas precisam ser descobertas! Quantas pessoas interessantes não fizeram despertar uma emoção? A alma diz sim, o corpo diz sim, mas a mente diz não... francamente!

Peço também que isso não seja lido com um manifesto pela galhinhagem. A vida vai além de quantas gozadas, quantas minas e quantos caras. A pessoa é mais do que um órgão genital. É mais que uma boca. Sem contar com as inúmeras doenças que você pode pegar na vadiagem. Prezo pelo interesse pessoal. Prezo por um bom diálogo e dos carinhos feitos com o tato. Nós somos tão mais do que gênero, preferência sexual, e estética... Tão mais!

Eu já perdi a conta de quantas mulheres me cativam a curiosidade. Coisa de conversas rápidas em pequenas festas sociais na casa de alguém... Aquela que faz pintura, a que faz cinema, a que não sabe o que vai fazer, a que odeia o mundo, a que quer salvar o mundo... São ideologias, histórias, famílias... É um mundo em cada pessoa. É o charme que cada alma traz para expressão dos olhos, para a entonação da voz... A pessoa é o conjunto. Como é possível só se interessar por uma pessoa? O mundo é um mundo de pessoas que valem a pena.

Quando paro para conversar com alguém que me atrai, normalmente me inundo de emoções. Posso até gaguejar. Estou defronte com o resultado da história do universo. Somos o resultado de bilhões de anos resumidos em gestos, olhares, respirações... Como não se entregar a uma paixão nessa condição? Principalmente se ela também gosta de Café Paris, acha muito engraçado aquele filme do Woody Allen e ao mesmo tempo ama a saga do Rocky e do American Pie... Ou até outras coisas... Em cada pessoa, uma graça.

Como não sentir saudades?! Como?! Saudades são tão intensas e tão verdadeiras! Morrer de saudade... É possível. A saudade é física. A saudade encobre e comprime o coração. Ela alfineta uma respiração mais profunda. Ela pesa ou eleva o passo. A Saudade é aquela vontade de rever ao mesmo tempo em que às vezes é a vontade de esquecer. A saudade é aquela bebida que se você beber aos poucos não enjoa, não tem ressaca e não se embebeda. Mas se você exagerar, não tenha dúvida que será uma tortura. Pois a Saudade também é fruto da falta, da ausência, da vontade de algo que não está lá. E para esse tipo de saudade tenha “uma bebida por perto, porque você pode estar certo que vai chorar”.

Antes sentir saudade de alguma coisa qualquer do que não sentir saudade de nada.

Então, assim, desta maneira, termino minhas mentiras e minhas frases de efeito vindas desse banho de ilusão que me banha e que está pronta para banhar de mentiras quem mais quiser acreditar nesses absurdos.