quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Carta de R. Sexo: F / Idade: 20 Meio:Ingestão de Veneno

Antes de tudo quero que todos saibam, que a culpa não é de vocês.

Há muito tempo eu venho pensando nisso e acho que fiz no momento certo. Estava plena de minhas consciências e de minhas vontades. Eu creio que a morte seja, sei lá... algo bom, não deve doer acho que quando eu me for. Estou pensando nisso há muito tempo e hoje eu pensei e estive bem séria, espero que vocês não tenham reparado em nada diferente hoje. Mãe gostei de nossa conversa na hora de almoço, pai do lugar onde eu estiver agora vou torcer pelo seu sucesso. Quero lembrar a todos que esta atitude foi bem pensada, juro. Sei que sou meio estabanada.. e esqueço as coisas que tenho que fazer, sei também que sou meio irresponsável.... eu, estou meio nervosa sim, mas depois tudo vei ficar bem. Sei que vocês e meu namorado acharam tudo isso uma loucura, mas é só um reflexo do peso que comprime a sociedade... e eu as sinto mais fortemente do que todos os outros. André, um beijo, um abraço e deixo um pedaço da nossa música : "existe a chance do tempo matar a morte no final da nossa história..." acho que vamos nos encontrar um dia. Te amo muito, sei que você tinha planos... para nossa história lembro quando você falou de filhos, e eu já pensava em morrer.... André, espero que você seja feliz, por favor siga sua vida. seja feliz por min.Sei que um dia me esquecerá, um dia todos esqueceram de todos e e as mortes e os choros de nada valeram. Quero que minhas cinzas sejam jogadas no arpoador, para que meus restos vejam o por do sol. Sei que tomei uma atitude egoísta e sei que todos tentaram me ajudar. Mãe, mesmo diante de todas as brigas, eu agradeço as suas palavras de carinho, mesmo na morte, eu creio que nunca esquecerei o dia do "cãozinho"...panela foi meu primeiro e único melhor amigo pena que se foi. Vou procurá-lo aqui de onde estou. Mais de uns tempos para cá eu venho perdendo a batalha, não consigo pensar em motivos de prendimento aqui, estou cansada, muito sozinha em meus pensamentos, e ninguém vai poder me ajudar de onde estou, eu já estava muito longe antes de pensar em morrer. Eu via as notícias e via as pessoas esvaziando suas vidas e perdendo as chances no decorrer de minha pouca existência. eu sinto muita maldade nesse mundo, e eu quero parar de acreditar que algo possa ficar melhor. Pude ter sido fraca, mas as maldades do mundo me causavam mais dor do que a vocês. Eu chorava vendo as mortes das crianças arrastadas nos carros e dos jovens na guerra. Desculpa pessoal.

Resolvi escrever alguns motivos.
 Para viver.
  1. Amigos e família
  2. Futuro
  3. Tentar fazer algo melhor
  4. Ser feliz
  5. Viver
Para morrer.
  1. Não sou bonita e tenho poucos amigos
  2. Medo do futuro
  3. A sociedade
  4. A solidão de min mesmo
  5. Tranquilidade

Chega de palavras, pois estas também irão se perder com o tempo.


Eu estou feliz, não chorem.


segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Juventude Madura

Menina! Essa juventude de hoje tá danada! Onde já se viu?! Nessa idade beijando, requebrando desse jeito... Olha isso! Essa garotada está pertida! . Eles não têm cultura, não fazem nada! Amiga você sabe né?! A gente passa dos cinqüenta tudo começa a cair, e aí começa puxar aqui, corta ali... A gente tem que se conservar! Eu? Velho? (risos) Posso estar com a idade avançada, mas tenho o espírito jovem! Temos sempre que manter o espírito jovem!

Uma grande tristeza que eu pude ter a amargura de sentir, foi uma mesa de pessoas de setenta e tantos anos se auto-proclamando jovens. Me senti insultado. Por mais vigorosos e lúcidos que eles estivessem, por mais atentos e dispostos e interessados. Por mais brincalhões e estimulados e estimulantes! Não! Não são jovens. Não são e ponto final. Essa fobia da maturidade é tão imatura que quase se justifica. É absurdo negar a influência do tempo na vida. Nascemos, vivemos e morremos. Não tem mistério. O homem não é eterno. Se o medo for da morte, sinto dizer que até os jovens morrem. E morrem de tudo quanto é jeito. De acidente e doença também!

A juventude é qualquer coisa. Desde a preguiça até a ingenuidade... Juventude é um grupo de pessoas de uma idade. É estranho ver essas pessoas de mais idade falando o quanto ainda são jovens e estão inteirões, conservados e como é importante se manter cheio de energia e em seguida notar que despercebidamente o assunto foi para os cabelos brancos e ralos, as dores, o pouco sono, a aposentadoria... É minimamente engraçado ver como eles não percebem que ser conservado e ter energia não é atributo de jovem e sim de quem gosta de um estilo de vida assim. Querer viver não tem validade.

Existe uma essência nos jovens que é inegável e quase inimitável. A mistura da descoberta com vontade de falar sobre ela. Muito antes de cabelos sedosos, corpo sarado ou qualquer outro estereótipo, a juventude é marcada pela imersão no mundo. Este segmento da humanidade é marcado pelo começo. São as pessoas que assistem a um filme clássico pela primeira vez. Que tem o primeiro trabalho, a primeira transa, o primeiro porre... É a iniciação na vida adulta. É um meio termo conflitante e interessante. É único e próprio.

Querer ser jovem para sempre é burrice. É nadar contra a corrente. Querer respirar de baixo d´água. Não dá. A vida tem seus momentos. Cada momento tem sua graça. Existe o momento de ser filho, o momento de ser pai, o momento de ser avô. Cada tempo no seu tempo. Cada um no seu contexto. É mais do que necessário a dissociação dos jovens com a alegria e disposição. Esses atributos cabem a todas as idades. Do jovem, é exclusivo, apenas a idade e sua história.

Que o corpo caia, que a vista piore, que as dores cheguem, que a visão amplie, que os novos jovens sejam mais ou menos caretas, que os trabalhos cheguem, que os sonhos se concretizem, que a vida se faça, que a morte passe, que os outros cresçam, que o mundo siga, que todos possam se entender como são, não como foram.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O sonho de mil humanos - Ou o sonho de Mingau

"Eu vou lhe dar um prato de flores, e no teu ventre vou fazer o meu jardim"
- Prato de Flores , Nação Zumbi
Havia, em um universo muito parecido com este. Com um planeta muito parecido com esse. E continentes muito parecidos com esses, que tinha países, cidades e ruas parecidas com essas. Onde moravam deuses. Estes deuses, de muitas frentes e coalizões, de muitos povos e nações tinham existências atribuladas e confusas, pois tinham muitas coisas pelas quais se preocupar. Não se viam os deuses conversando, a não ser pelo celular. Os deuses tinham descoberto quase tudo o que havia para descobrir : as divindades menores não tinham medo dos pesadelos que se escondiam no escuro do armário, as luzes afastavam os pensamentos que preenchiam as trevas de suas mentes com peças medonhas do subconsciente e quase ninguém sabia explicar o que era amor verdadeiro. Os deuses vendiam suas esferas de dominação por dinheiro. Haviam deuses perdendo lugar para outros na roda que move o mundo. Antigas deidades que controlavam, por exemplo, a sorte, foi substituída pelos deuses das estatísticas e nos bancos haviam deuses da economia. Havia deuses da guerra e da tecnologia. E todos eles trabalhavam para sustentar seus panteões familiares almejando um bom futuro para sua priogene. Neste mundo deuses antigos pediam oferendas nas ruas e pequenos deuses morriam de fome e sede, enquanto outros tinham de mais em função do pouco de muitos outros deuses. Estes deuses tinham animais de estimação. Uns preferiam robôs e aparelhos tecnológicos eletrônicos e digitais, considerados naquele mundo os melhores amigos dos deuses. Mais havia um outro animal que chamava muito a atenção dos deuses por suas características e história: Os humanos. Diferente das máquinas, eles não balançam a cauda quando seus deuses chegam e costumas ser mais temperamentais que as máquinas. Decidem o que querem quando querem e tendem a buscar os deuses somente quando lhes é favorável. Gostam de fugir dos confortos dos seus lares a noite e cantar sob as luzes dos deuses do luar. Por estas características singulares desde o início da deidade. Muitas lendas e histórias surgem para preencher os vazios em suas histórias e as histórias de suas saídas noturnas. Dizem que, por exemplo, cruzar com humanos de cor negra da má sorte e que os deuses da sorte conspiram contra a divindade. Mas há também aqueles que acreditam que o homem sabe caminhar entre os vários mundos da instância divina, sejam os da vida ou os da morte, e que podem ver os servos dos deuses da morte, os espíritos dos deuses que morrem. Pois até os deuses morrem. Neste mundo, parecido com o nosso existam deuses grandes e menores, ricos e pobres que tem família e são nobres.
***
Havia um panteão que fazia morada ao sul da cidade. Um lugar para deuses com possibilidades de decisões que afetavam toda cidade. Eles moravam em um templo de luxo imenso, onde vários andares eram preenchidos de ego e adoração. Era um panteão familiar de aparências de fachada para a deidade, que tinha que vê-los como perfeitos e sempre felizes, como se os males dos mundos não os afetasse. Este panteão era formado pelo deus criador que cuidava dos assuntos de política divina, pela sua dama senhora das jóias e da sorte e por seus filhos, que há muito se desventuravam nos entremeios do mundo com a sorte da mãe e os amigos influentes do pai. Saindo sempre ilesos de suas empreitadas na vida. Mas a história que vou contar é sobre um humano de estimação chamado Mingau, que era tido como o novo filho da deusa, "o divininho da mamãe", como ela o chamava. Era um hominídeo novo devia ter uns 1 anos na idade divina e aproximadamente 14 anos na idade dos humanos, ele fora comprado na loja de animais eletrônicos pois por sorte tinha pedgree facilmente perceptível por sua cor branquinha como o leite e os olhos azulados como a paz. Mingau morava neste templo e tinha uma caminha só sua. Sua dona o alimentava com pequenos animais como frangos ratos, rãs, porquinhos e ocasionalmente ele comia fast food. Era um bom animal de estimação. Nunca havia saído do templo. Preferia ver mortes na tv e brincar com sua comida. Enquanto a deusa passava pela sala do templo ela viu Mingau brincando com os olhos fechados e disse aos grande deus: "olha que belo Mingau sonhando, deve estar a imaginar que está a caçar algum rato" Ela quando ele sorriu. Naquela noite Mingau acordou com uma pancada seca na janela do saguão, havia um homem na janela, ele era negro e tinha pelagem não aparada, parecia mais magro que os gatos que Mingau vira na tv para homens 'Hx' ele parecia abatido e cansado Mingau não conseguiu imaginar como ele tinha conseguido subir até lá. Ela pediu para entrar e chovia muito lá fora. Como sua dona não estava em casa ele subiu pela janela o a humana falou "é hoje, ela estará lá hoje a noite, você vem?". Mingau disse a ela : Não sei como sair todas as janelas estão fechadas e não falo a língua dos deuses para destrava a senha". A humana esticou o braço e apontou o teto do templo dizendo: "Há uma saída pelo teto,venha rápido". Mingau correu pelas escadas do templo saiu no alçapão do reserva tório de água e desceu por uma árvore imensa no lado do templo, pensou que teria que subir tudo aquilo novamente quando foi chamado outro humano acima do muro.Mingau era sempre o último da fila de humanos que corria pela noite para chegar no lugar do encontro. Mingau, sendo o mais novo e o mais inocente, se achava no direito de interpelar os outros humanos que seguiam pelos cantos das ruas: "porque vocês vão vê-la?" ele perguntava :"porque precisamos" eles diziam que "precisavam ouvi-la", que "tinham que ouvil- la". Depois de caminhar por alguns minutos Mingau e o grupo de humanos que partiram do templo chegaram num tipo de cemitério, que não não tinha lápides grandiosas para guardar os deuses, que não tinham capelas de oração nem estátuas grandiosas das divindades. Ao invés disso haviam pequenas lápides redondas com esculturas de humanos com lãs de pedra em suas mãos estátuas de humanos dilacerados e deformados, estátuas e lápides de "bons humanos", de acordo com suas inscrições. Via- se a humana no alto de uma colina prostrada sob o luar, era antiga, devia ter mais de menos duas eternidades, contando pelas idades dos deuses, e tinha marcas no corpo, marcas de aviso, de histórias e cicatrizes que ela exaltava. Mingau chegou até a pensar:"quem iria querer esta humana como animal de estimação?" mas logo percebeu que ela há muito não sentia um afago e o mundo doía nela, por onde ela passava. Mingau percebeu que ela houvera feito uma escolha. "Boa noite meus filhos", realmente, sua voz lembrava a voz de todas as mães e avós do mundo. "obrigado por terem vindo" Só que com um gostinho de dor e tarde de chuva torrencial... E quando ela começou a falar todos os gatos ficaram pardos cobertos pela noite que saia dos olhos vermelhos dela. "Irmãos e irmãs, boa caçada", "obrigado por terem vindo. Espero que depois de hoje minhas palavras possam ser libertadoras para vocês", então:Ela contou sua história.
***
"Há muitas e muitas luas eu, vivia com um panteão famílias no norte do pais, eu era considerada humana de pedigree vivia no luxo e no conforto, comia muito melhor até do que alguns deuses menores e achava que eles tinham amor por min, eles me alimentavam quando eu precisava, me abraçavam quando precisava e me protegiam quando eu precisava. Eu era nova e não sabia a dimensão de minhas atitudes e um dia ele aparecer em minha janela, um homem. Ele me via brincar pela janela nas noites de verão. Ele não era um humano normal era mais alto mais belo e completo de nossa raça , tinha pele negra e olhos amarelos como o sol. E me entreguei a ele. Não sabia seu nome e só ouvi uma vez a sua voz, quando disse meu nome. Nosso amor era grande e pensava que seria feliz com ele. Ela continuou a falar enquanto olhava para a lua, estava ficando tarde. "Assim, do mesmo modo que ele apareceu em minha vida, ele sumiu. E deixou em meu ventre os frutos de nossa relação. Tratei de me preservar e de cuidar de min para que tivesse minha cria com saúde, meus deuses cuidaram de min e me deram mais atenção por estar grávida, eu os amei mais ainda por isso. Depois de nove meses eles nasceram, eram grandes e fortes como o pai, lindos e os deuses deram beijos e carinhos, arrumaram - nos e tiraram fotos deles, e depois os tiraram de min. Uma noite, enquanto estava dormindo os deuses familiares tiraram minhas crianças de min, eu tentei lutar, mas foi inútil, eles foram jogados abaixo de uma ponte no rio dos deuses."Visivelmente emocionada ela parou um pouco de falar e engoliu o seco."Neste momento, irmãos, nesta hora eu percebi que na verdade os deuses não se importam conosco. Eles nos tem como bichos de estimação até a hora em que não precisam mais de nós e seus poderes não funcionam conosco, hoje eu venho trazer um sonho de libertação há vocês... Logo depois que meus filhos foram assassinados, eu fugi em busca de respostas e caminhei pelas beiras e histórias do mundo e soube de atrocidades cometidas pelos deuses aos humanos das quais nós nunca imaginaríamos pensar e estes contos e lendas sempre falavam de um humano que habitava o mundo do pensar e do sonho, chamado de : O homem dos sonhos. Então filhos, de tanto procurar, pelos lugares mais improváveis eu caminhei por linhas das quais não sabia o que era verdade ou mentira, caminhei na transição entre a loucura e a sanidade, passei pelas ruas e pelos corpos das ruas até chegar no seu reino, o reino dos sonhos." Nesta hora o vento cessou e a noite abriu num céu estrelado, como se a noite quietasse para ouvir sua história... "A caminhada pelo reino das idéias foi longa, os limites da cidade encontravam um mar de pequenos esqueletos, esqueletos de deuses mortos, centenas dezenas infinitos crânios gigantes e pequenos ao mesmo tempo, se um dia se perguntaram para onde vão os deuses quando morrem lá estava à resposta, mas essa não era minha sina. No caminho para a caverna encontrei um boi, confortável alimentando os desejos abaixo de seu ventre e ele perguntou por que eu seguia aquele caminho, e eu respondi: pelo desejo de vingança, e pelo sentimento de saudade de meus filhos. Na descida da caverna encontrei um leão, que guardava o coração e o conforto dos humanos, ele me perguntou por que eu seguia aquele caminho, e eu respondi: era pelo amor aos meu filhos e para acalmar meu coração. Na Entrada da caverna encontrei a águia, que voava acima dos pensamentos, dos desejos e sentimentos , e gostava de manter os pensamentos plenos, para equilibrar o conforto e o coração, e ela perguntou porque eu segui a aquele caminho, e eu respondi : pela verdade. dentro da caverna encontrei ele. Grandioso e imponente, um homem pálido de olhos vermelhos, um manto cobria-lhe as partes e seus olhos parecias feitos de sangue ele disse: Eu não sei o motivo de sua vinda, mas posso te contar uma história.
"Há muito tempo, há muitos e muitos anos, quando a terra ainda era misteriosa, regida por regras que não tinham pensamento, quando a mente e a fé ainda não existiam e o sonho era jovem, os humanos reinavam solenes na existência, eles eram maiores do que são agora e os deuses pequenos, dependiam deles para existir e sobreviver, os deuses viviam escondidos e com medo nas matas e vocês brincavam de pegar e enforcar com eles. Quando aumentavam muito de população vocês os caçavam e os devoravam nas planícies. Mas um dia Deus despertou para a verdade e reuniu o máximo de deuses que pode numa colina e pediu aos deuses que sonhassem e naquele dia mil deuses sonharam e tudo ficou como sempre esteve hoje. Entenda, isso ocorreu antes de vocês reinarem e antes deles existirem, isso sempre aconteceu em alguma parte do tempo, ou da minha história antes de tudo pois eles sonharam. Todos devemos voltar a caverna para libertar os outros que estão nela, então leve o sonho novamente aos humanos o sonho pode ter mudado tudo novamente, isso é como será, não como devia ser"
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Então irmãos sonhem como nunca sonharam antes, vão para as suas casas e becos pensando no que eu lhes disse sabendo que o sonho de mil humanos pode nos libertar.
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Mingau chegou a casa cansado e foi logo deitar na caminha, havia comida no leito. Ao chegarem, os deuses viram o pequeno humano dormindo, entretido em sonhos, riscando o ar com as garras do imaginário e os deuses disseram "olha que bonito o Mingau sonhando, deve estar se imaginando caçando um rato..."

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

A Santa

Sonho com um príncipe encantado. Sempre sonhei em estar perto de um homem que me tratasse bem, bonito, cavalheiro. Esse é meu desejo mais aberto, minha verdade mais divulgada. Nasci feia. Não tem jeito. Eu era um bebe feio, depois fui uma criança feia, continuei sendo uma adolescente feia e hoje, sou uma jovem feia. E sou feia não de gorda nem de torta, sou feia por proporções. Questão de relação entre nariz e boca, orelha e olho, peito e bunda. Não combino. Sou uma criatura que Deus fez com pressa.

A vida me permitiu adaptar-me aos homens de segunda categoria. Sou aquela que recupera os pedaços quebrados dos rejeitados. Sou a dona do colo que cala o choro de tantos meninos perdidos, envergonhados, medrosos. Não cabe, a mim, julgar com desdém aqueles que, como eu, nasceram assim, abaixo do normal. Nunca neguei um rapaz sequer. Estendo meus braços, para todo homem que busque carinho, afeto, prazer. Minha flor provém com todo o néctar que qualquer homem, renegado pelo mundo, precisar.

Todo homem que namorei, perdi. Talvez por ser puta, talvez por ser santa. Mesmo tendo pena do pobre que me enamora, mesmo sabendo e ignorando suas disfunções, suas deformidades, suas mais grotescas falhas, mesmo sendo um sacrifício aturar a criatura que se atrelava a minha carne tal qual carrapato, nunca fui eu quem terminei. Sempre cuidei, amei, sempre! Acredito que sou o fundo do poço. Sou o fim da linha. A partir de mim os homens se reconstroem. Eles renascem e me deixam.

Não posso negar o cansaço. Viver a espreita de um homem bom é duro. E olha que nem planejo tomá-lo para mim, do mundo. Nem casar, nem nada. Quero só ser adorada uma noite. De verdade. Que ele esteja triste, que ele esteja desolado! Mas que me queira! Meu sonho eterno como puta e como feia é ser desejada por um homem puro e bom. Ter um ser belo, cuidando, com o toque, meu corpo. Deixar-me ser guiada por um cheiro limpo de homem bom. Ah! Que isso seja por uma noite! Não queria mais do que isso. Sei que é pedir demais. Mas peço que seja! Quero estar banhada de gozo e suor daquele que vai fazer minha vida valer a pena. Preciso, quero, sonho, demais.

Mas sei que não é assim. Já me acostumei à ideia da miséria, da migalha... Ao menos tenho homens para que eu satisfaça. Homens ralos, de beijos duros, de mãos grossas, de vozes ou fracas ou roucas... Fedendo à cachaça, querendo minha graça, chorando de vergonha, querendo minha fidelidade, me ligando com saudade, me largando na sarjeta, esquecendo a gorjeta ou até pagando extra! Tanto faz. Não é o dinheiro que me agrada. Gosto mesmo é de ser amada.

Ah! Que nada... Tem vezes que eu até esqueço o que fazer com a vida. Eu sigo sem guia. Sou feia. Sou aquela. A sobra. A outra opção. Eu sou aquela que tem amor. E que quer ser como deus e ser fiel a todos que me amam. Pois sei, sou pouco, mas sou o consolo. Sou eu quem salvo aqueles que são o resto. O mundo é cheio de resto. Eu só quero um consolo... Sou pouca coisa, mas sou tudo que posso oferecer. Queria salvar o resto. Queria ser salva. Acho que o resto é feito para o resto. Deve ser isso. Dê a Cesar o que é de Cesar, dê aos feios o que é dos feios.