terça-feira, 30 de março de 2010

Acontece

Não era à toa. Não podia ser uma mera coincidência. Já era o quarto dia seguinte que a mesma música aparecera em minha vida. Justo naquele momento, naquela circunstância. Estava para terminar um namoro e a música vinha nas rádios, nas festas, até mesmo no meu computador quando eu botava as músicas em aleatório. “Acontece que meu coração ficou frio”. Era verdade, estava frio. Se ela ia chorar ou sofrer, eu não sabia, mas tinha certeza que esse tipo de coisa acontecia.

Era a realidade nua e crua. Tudo começou muito bem, muito carinho, muita alegria. Depois tudo se deixou levar pela lixa do tempo. E foi acabando, esvaecendo. Eu percebi. Se ela tinha percebido ou não, não sei. Mas eu sabia que o nosso ninho amor estava vazio. Saber disso já era o fim pra mim. Eu não sei fingir. Minha cara expõe o vazio. Se ela olhasse para mim, já saberia. Eu não precisaria falar nem tentar explicar que não havia meio de tentar reatar ou renovar. Acabou e acontece.

Se ela merece ou não, não sei. Talvez seja melhor pra ela alguém que realmente a ela, amor, desse. Uma boa companhia, alguém que dividisse com ela, aquele alguém que estivesse lá para vê-la dançar, para aplaudir de pé, para cuidar dela como eu não cuidaria. Alguém que a acompanhasse e que isso bastasse.

Acontece que eu não sei mais amar a ela. Não fingirei. Terei de falar e ter coragem. Mas direi - Não esqueça. - Pois foi bom. -Não esqueça o nosso amor. - Ele foi bom. - Acabou, acontece. Mas vê se não esquece. - Espero que quando ela lembrar, quando parar para pensar e lembrar, que lembre e abra um sorriso. Não quero ser uma lágrima a não ser de uma boa memória. Digo isso, pois sei que quando lembrar e se eu chorar será de alegria. Eu sei, ela deve saber, o fim acontece.

"Esquece nosso amor, vê se esquece

Porque tudo no mundo acontece

E acontece que eu já não sei mais amar

Vai chorar, vai sofrer

E você não merece



Mas isso acontece



Acontece que o meu coração ficou frio

E o nosso ninho de amor está vazio

Se eu ainda pudesse fingir que te amo

Ah, se eu pudesse

Mas não quero, não devo fazê-lo

Isso não acontece"

Cartola

segunda-feira, 29 de março de 2010

Espera

Vi uma menina na rua hoje. Eu estava na banca de revistas buscando algo interessante para ler no meio do meu desinteresse pelo dia. Buscava algo para me distrair enquanto teria que esperar uma hora até a moça voltar do almoço para me atender. Eu não tinha o que fazer. Estava preso à espera. Lá estava ela. A menina na rua com cara de anteontem parecendo esperar alguém. Éramos dois fazendo nada. Eu na banca e ela no muro, na sombra da marquise. Enquanto ela olhava as outras pessoas eu a olhava. Desisti das revistas. Ela parecia uma boa companhia.

Como começar uma conversa? Que mundo hostil! Ela pode pensar que sou um crápula do submundo urbano. Nunca tive certeza se eu era mal encarado aos olhos de estranhos. As pessoas não tendem a puxar assunto comigo. O homem da banca ficou impaciente comigo. Devo ser mal encarado. Bem, a sombra da banca não me acode mais... Sou obrigado a ir para debaixo da marquise. Fui.

“Olá, com licença, eu estou à procura de uma sombra e acabei de ser expulso da banca por não estar comprando nada. Você se importa de dividir essa sombra comigo?” Que péssima maneira de começar uma conversa. Dou dois segundos para ela sair daqui constrangida “Que nada! Pode ficar aqui.” Fiquei surpreso, ela continuou. “Sombra é pra isso mesmo! Não entendo quem busca um lugar ao sol.” Na mesma hora vi que ela era uma dessas pessoas compulsivas por conversa. Um incomodo me subiu o peito. Estava entre o tédio de esperar calado e esperar ouvindo. Aquela era a única sombra em muitos metros. Sair dali seria muito constrangedor. Que arapuca! Bem, já que estou aqui... Melhor conversar. Ela continuava falando do sol. “... é um perigo! Todos deviam sair com protetor solar.” “Pois é” interrompi “Câncer de pele está aí acabando com o verão de muita gente.”

A conversa foi de sol para eclipse, para lua, para noite, para bares, para músicas, para danças, para viagens. Ela se mostrou uma pessoa bacana. Não esperava isso de alguém que falasse tanto. Era óbvio que aquela conversa teria que durar o almoço da moça. Essa menina deve ser do tipo que se fala uma vez e depois nunca mais. Ela deve ter tomado um bolo de um rapaz. Tadinha... Tão simpática! Deve sofrer horrores por ser tão serelepe. Ela é o tipo de garota que te ajuda a chegar a casa em uma noite de bebedeira, cuida de você e depois cultiva um afeto materno de quem sempre vai estar lá para tomar conta dos seus desvios. O tipo de garota que nasceu para ser mãe, mas vai acabar ficando pra tia. Totalmente assexuada. Tão ingenuamente carinhosa. Me deu um band-aid para amparar o calcanhar que me deixara manco devido ao calor e o tempo em pé.

Faltavam quinze minutos para chegar a moça do almoço. A menina me explicava a ligação entre os filmes do Tarantino de acordo com um vídeo que ela viu por aí. Como eu não perguntara se ela esperava alguém, fui surpreendido por um galalau que de forma muito simpática pediu licença e a deu um beijo daqueles. Os pés dela saíram do chão. Eram um casal apaixonado. Quem diria... Ela não era para tia. Ele estava atrasado, eles iam para algum lugar que não me foi descrito. Apertei a mão do sujeito e recebi um abraço da menina. Eles se foram. Faltavam dez minutos pra moça chegar do almoço. Vendo o casal ir embora percebi que era eu quem ia ficar para tio. Fora isso, fui a banca, comprei uma revista em quadrinho e esperei os últimos dez minutos no último fiapo de sombra que restava. A moça chegou na hora, resolvi tudo logo, fui para a casa. Sentado, percebi que aquele galalau ia ser uma pessoa mais feliz do que eu.