segunda-feira, 29 de março de 2010

Espera

Vi uma menina na rua hoje. Eu estava na banca de revistas buscando algo interessante para ler no meio do meu desinteresse pelo dia. Buscava algo para me distrair enquanto teria que esperar uma hora até a moça voltar do almoço para me atender. Eu não tinha o que fazer. Estava preso à espera. Lá estava ela. A menina na rua com cara de anteontem parecendo esperar alguém. Éramos dois fazendo nada. Eu na banca e ela no muro, na sombra da marquise. Enquanto ela olhava as outras pessoas eu a olhava. Desisti das revistas. Ela parecia uma boa companhia.

Como começar uma conversa? Que mundo hostil! Ela pode pensar que sou um crápula do submundo urbano. Nunca tive certeza se eu era mal encarado aos olhos de estranhos. As pessoas não tendem a puxar assunto comigo. O homem da banca ficou impaciente comigo. Devo ser mal encarado. Bem, a sombra da banca não me acode mais... Sou obrigado a ir para debaixo da marquise. Fui.

“Olá, com licença, eu estou à procura de uma sombra e acabei de ser expulso da banca por não estar comprando nada. Você se importa de dividir essa sombra comigo?” Que péssima maneira de começar uma conversa. Dou dois segundos para ela sair daqui constrangida “Que nada! Pode ficar aqui.” Fiquei surpreso, ela continuou. “Sombra é pra isso mesmo! Não entendo quem busca um lugar ao sol.” Na mesma hora vi que ela era uma dessas pessoas compulsivas por conversa. Um incomodo me subiu o peito. Estava entre o tédio de esperar calado e esperar ouvindo. Aquela era a única sombra em muitos metros. Sair dali seria muito constrangedor. Que arapuca! Bem, já que estou aqui... Melhor conversar. Ela continuava falando do sol. “... é um perigo! Todos deviam sair com protetor solar.” “Pois é” interrompi “Câncer de pele está aí acabando com o verão de muita gente.”

A conversa foi de sol para eclipse, para lua, para noite, para bares, para músicas, para danças, para viagens. Ela se mostrou uma pessoa bacana. Não esperava isso de alguém que falasse tanto. Era óbvio que aquela conversa teria que durar o almoço da moça. Essa menina deve ser do tipo que se fala uma vez e depois nunca mais. Ela deve ter tomado um bolo de um rapaz. Tadinha... Tão simpática! Deve sofrer horrores por ser tão serelepe. Ela é o tipo de garota que te ajuda a chegar a casa em uma noite de bebedeira, cuida de você e depois cultiva um afeto materno de quem sempre vai estar lá para tomar conta dos seus desvios. O tipo de garota que nasceu para ser mãe, mas vai acabar ficando pra tia. Totalmente assexuada. Tão ingenuamente carinhosa. Me deu um band-aid para amparar o calcanhar que me deixara manco devido ao calor e o tempo em pé.

Faltavam quinze minutos para chegar a moça do almoço. A menina me explicava a ligação entre os filmes do Tarantino de acordo com um vídeo que ela viu por aí. Como eu não perguntara se ela esperava alguém, fui surpreendido por um galalau que de forma muito simpática pediu licença e a deu um beijo daqueles. Os pés dela saíram do chão. Eram um casal apaixonado. Quem diria... Ela não era para tia. Ele estava atrasado, eles iam para algum lugar que não me foi descrito. Apertei a mão do sujeito e recebi um abraço da menina. Eles se foram. Faltavam dez minutos pra moça chegar do almoço. Vendo o casal ir embora percebi que era eu quem ia ficar para tio. Fora isso, fui a banca, comprei uma revista em quadrinho e esperei os últimos dez minutos no último fiapo de sombra que restava. A moça chegou na hora, resolvi tudo logo, fui para a casa. Sentado, percebi que aquele galalau ia ser uma pessoa mais feliz do que eu.

Um comentário:

  1. Tudo é, de uma forma ou de outra, uma espera. E esperar pode ser extremamente irritante ou pode ser um exercício deveras interessante.

    Por exemplo, quando cliquei no 'trequinho' de comentários, e demorou para abrir a caixa, eu achei bem irritante. Por outro lado, enquanto lia o texto, e esperava o desfecho, a minha espera não foi desagradável, foi bem entusiástica, na verdade.

    Nossa! A exemplo da sua personagem, devo falar demais. Falei muito e, efetivamente, não disse quase nada. O quê eu queria dizer, em síntese, é que gostei do texto. Gostei da brevidade, da quebra de expectativa, etc.

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