segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Mergulho

Nos delírios diários típicos do processo que precede o sono, na presença do escuro do olho e do clarão do pensamento, senti a vida passear pelo meu corpo inteiro.

No compasso do coração desacelerado e do silêncio típico de uma madrugada calma, deixei que as vontades e as saudades passeassem pela minha alma. Deixei soltos os sentimentos que me transbordam, tirei do pulmão as dores que me afogam. Respirei aliviado. Escorreram pelo meu sangue purezas e impurezas típicas de quem sonha. Filtrei desejos, apaguei anseios, suei beijos, esqueci não sei o que.

Enquanto perdia a consciência, fui levado para um pedaço de mim que morreu. Jazia ali uma visão bonita e serena, me via. Estava eu lá deitado, sem calma, sem alma, sem nada. Me via e entedia. Lá estava o corpo do eu que amava.

Acordei de luto.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Entre Los Hermanos e a disputa presidencial (conclusões infernais)

Pois é... Pelo visto meus vinte e poucos anos vão ser realmente bem frustrantes. Descobri por esses dias que a humanidade não presta. Aí já viu né... fudeu. Por um grande acidente do acaso e de minha percepção quase tão distraída quanto torta, vi da maneira mais nítida o quanto não se pode confiar na palavra de um outro ser humano.

Eu como um belo e digno cidadão civilizado e educado, prezo pela moral e bons costumes da sociedade. Não por mim, mas pelo bem comum. Acredito que quando todos forem respeitados e tiverem oportunidades iguais em todos os aspectos, o país vai pra frente. Vejo nas crianças o futuro, nos adultos a sabedoria e nos jovens da minha idade, a seriedade e comprometimento dignos da força e ingenuidade cabíveis à sua facha etária.

Daqui a onze dias, as eleições presidenciais acontecerão. O Brasil está entre Dilma e Serra. PT VS PSDB. A população está partida. É e-mail pra cá, e-mail pra lá... Uns defendem, uns atacam... Argumentos de todos os calões. Debates calorosos, comerciais afiados e incessantes! Tantas polêmicas! Dois seres maquiados falando “acredite em mim”. Ha!

De quebra, esses dias, aqui em salvador, teve o show de Los Hermanos, que estão em recesso indeterminado. O show lotou. Cheguei 1 hora antes de o portão abrir. A fila estava quilométrica! Atenção, meu caro leitor. Esta é a hora decisiva em que eu fecho meu argumento sobre como parei de acreditar no ser humano. No meu caminho derrotado até o fim da fila, um amigo viu um amigo que nos chamou para juntarmos a ele. Sem pensar duas vezes, eu furei a fila. Eu, um cidadão civilizado e educado que preza pelo bem comum. Entrei sem nem olhar pra trás. Não quis saber quem era que estava atrás de mim. Ao longo do caminho até o portão de entrada, tive ainda a cara de pau de reclamar das pessoas que estavam furando a fila na minha frente ao mesmo tempo em que resmungavam aqueles que foram “furados” por mim.

Moral da história: Se eu furo fila e tenho consciência do quão inadequado é meu ato, se eu tenho a frieza de cagar para todos os outros atrás de mim que já estão a horas esperando entrar, se eu ainda reclamo com os que entrarem na minha frente, se eu que sou minha referência de humanidade faço isso, como vou acreditar no meu potencial de voto? Quem sou eu para discernir quem presta e quem não presta. Eu acho que, pelo visto, vou querer alguém que me ajude a furar fila.

Vejo dois candidatos que prezam a honestidade, a transparência, a justiça, a religiosidade, o respeito à vida, o meio ambiente! Meu deus! Eu não consigo suportar tanta bondade! Eles não me representam! Eu colo chiclete de baixo da mesa, eu não separo lixo seletivo, eu já cobicei a mulher do vizinho!

Como acreditar no ser humano? Como é possível acreditar em um sistema humano que funcione?! Pelamordedeus! Qualquer um que projete um futuro próspero para nós é ingênuo. Vivemos na lei do menos pior.

O ideal não existe nem em pensamento.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Conto do amor cotidiano

Era terça feira e ela precisava ser acordada. Por esses dias o alarme já não a acordava mais. Era o cansaço, era a noitada, era o trabalho e aquela preguiça danada. Mas a vida é isso mesmo, eu que acordo com o despertador dela, acordo ela, depois eu volto para dormir mais um pouquinho. Ela tem toda aquela empreitada da beleza matutina, acho que ela é escrava dos artigos de beleza. Acordo com o cheiro do xampu tomando o quarto vindo com o vapor do banheiro. Levanto torto e dou um cheiro nela enquanto passa o batom e essas parafernálias para a cara. Tomo meu banho rápido só para tirar o amassado da cara e o cheiro de cama do corpo. Ainda de toalha, penteando o cabelo ela vem me dizer que acabou o queijo e que estava com desejo de tomar café da manhã naquele lugar bacana um dia desses. Eu respondo afirmativo “vamos sim! Um dia desses”. Enquanto ponho minha roupa de trabalho ela assiste as noticias da manhã na TV ao mesmo tempo em que checa o e-mail e arruma uma papelada na pasta. Mulheres... Eu mal consigo botar o sapato e escutar o jornal juntos. O café da manhã é rápido, mas dura o bastante. O que você vai fazer hoje? Como ficou aquilo? Viu o que aconteceu lá? Seu pai ligou ontem... E assim vai. Passa o suco, que pão gostoso! Nossa, estou atrasado! Escovando os dentes a vejo botando uma sapatilha preta de um jeito típico. Penso em como gosto dela, mas estou de boca cheia e logo lembro que me esqueci de terminar qualquer coisa que era para hoje. Cuspo, enxáguo, ponho o perfume, checo os dentes, e vou para me despedir. Ela também está atrasada. Pegamos o elevador juntos. Ela diz que hoje vai chegar um pouco mais tarde, eu digo que estava pensando em comer uma pizza à noite em vez de sopa. Chegamos no térreo. Ela pega o carro, eu pego o metro. Damos um beijo rápido e o dia começa.

Quando a noite chega, eu chego em casa. A cabeça dói um pouco, o ombro pesa, mas nada que um sofá macio não resolva. Estico as pernas, penso no dia, lembro de ontem, esqueço de amanhã, desejo uma coisa velha, sinto um pouco de fome, ligo a TV, desligo a TV. Ligo o som, como um pouco de batata palha, ela chega. Diz que o dia foi um caos, que amenina do almoxarifado é uma fofoqueira, que o cliente estava com a bruxa, que a única coisa boa do dia foi uma sorveteria pequenininha que uma amiga descobriu ali do lado do trabalho. Ela senta do meu lado no sofá, apóia a cabeça no meu ombro, diz que está muito cansada para sair para comer uma pizza, que ela queria uma sopa leve e que hoje ela ia porque ia dormir cedo. Então esquentamos a sopa, conversamos sobre um filme e lembramos de uma viagem boa. O relógio marcava que estava tarde demais. Ela foi tomar uma ducha e eu mais uma vez fui escovar os dentes. No banheiro ela diz que precisa cortar o cabelo, eu digo que está ótimo assim. Enquanto termino de escovar os dentes olho pela cortina semitransparente e vejo a sua figura. Ela estava de toca e passava sabonete rapidamente pelo corpo. Quis dizer que ela estava ficando cada vez mais linda, mas não achei que era a hora certa. Já deitados e de pijama escuto-a suspirar de leve. Abraço-a encaixando-me em seu corpo, botando meu braço sobre seu braço e minha perna com sua perna. Ponho minha boca bem perto de seu ouvido. Digo “boa noite, broto” ela aperta minha mão e responde “boa noite, pitel”. Rimos um pouco, nos ajeitamos um pouco, nos olhamos um pouco, arrumei o seu cabelo para fora da cara e disse “não corte o seu cabelo, você está linda assim”. Ela deu um sorriso, um beijo e fechou os olhos com um olhar de alívio. Eu fechei os olhos também. Antes de dormi pensei sobre eu e ela. Acho que a gente dura. Espero que sim. Mas não sei porque eu tenho certeza que amanhã ela ainda vai cortar o cabelo...