sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Conto do amor cotidiano

Era terça feira e ela precisava ser acordada. Por esses dias o alarme já não a acordava mais. Era o cansaço, era a noitada, era o trabalho e aquela preguiça danada. Mas a vida é isso mesmo, eu que acordo com o despertador dela, acordo ela, depois eu volto para dormir mais um pouquinho. Ela tem toda aquela empreitada da beleza matutina, acho que ela é escrava dos artigos de beleza. Acordo com o cheiro do xampu tomando o quarto vindo com o vapor do banheiro. Levanto torto e dou um cheiro nela enquanto passa o batom e essas parafernálias para a cara. Tomo meu banho rápido só para tirar o amassado da cara e o cheiro de cama do corpo. Ainda de toalha, penteando o cabelo ela vem me dizer que acabou o queijo e que estava com desejo de tomar café da manhã naquele lugar bacana um dia desses. Eu respondo afirmativo “vamos sim! Um dia desses”. Enquanto ponho minha roupa de trabalho ela assiste as noticias da manhã na TV ao mesmo tempo em que checa o e-mail e arruma uma papelada na pasta. Mulheres... Eu mal consigo botar o sapato e escutar o jornal juntos. O café da manhã é rápido, mas dura o bastante. O que você vai fazer hoje? Como ficou aquilo? Viu o que aconteceu lá? Seu pai ligou ontem... E assim vai. Passa o suco, que pão gostoso! Nossa, estou atrasado! Escovando os dentes a vejo botando uma sapatilha preta de um jeito típico. Penso em como gosto dela, mas estou de boca cheia e logo lembro que me esqueci de terminar qualquer coisa que era para hoje. Cuspo, enxáguo, ponho o perfume, checo os dentes, e vou para me despedir. Ela também está atrasada. Pegamos o elevador juntos. Ela diz que hoje vai chegar um pouco mais tarde, eu digo que estava pensando em comer uma pizza à noite em vez de sopa. Chegamos no térreo. Ela pega o carro, eu pego o metro. Damos um beijo rápido e o dia começa.

Quando a noite chega, eu chego em casa. A cabeça dói um pouco, o ombro pesa, mas nada que um sofá macio não resolva. Estico as pernas, penso no dia, lembro de ontem, esqueço de amanhã, desejo uma coisa velha, sinto um pouco de fome, ligo a TV, desligo a TV. Ligo o som, como um pouco de batata palha, ela chega. Diz que o dia foi um caos, que amenina do almoxarifado é uma fofoqueira, que o cliente estava com a bruxa, que a única coisa boa do dia foi uma sorveteria pequenininha que uma amiga descobriu ali do lado do trabalho. Ela senta do meu lado no sofá, apóia a cabeça no meu ombro, diz que está muito cansada para sair para comer uma pizza, que ela queria uma sopa leve e que hoje ela ia porque ia dormir cedo. Então esquentamos a sopa, conversamos sobre um filme e lembramos de uma viagem boa. O relógio marcava que estava tarde demais. Ela foi tomar uma ducha e eu mais uma vez fui escovar os dentes. No banheiro ela diz que precisa cortar o cabelo, eu digo que está ótimo assim. Enquanto termino de escovar os dentes olho pela cortina semitransparente e vejo a sua figura. Ela estava de toca e passava sabonete rapidamente pelo corpo. Quis dizer que ela estava ficando cada vez mais linda, mas não achei que era a hora certa. Já deitados e de pijama escuto-a suspirar de leve. Abraço-a encaixando-me em seu corpo, botando meu braço sobre seu braço e minha perna com sua perna. Ponho minha boca bem perto de seu ouvido. Digo “boa noite, broto” ela aperta minha mão e responde “boa noite, pitel”. Rimos um pouco, nos ajeitamos um pouco, nos olhamos um pouco, arrumei o seu cabelo para fora da cara e disse “não corte o seu cabelo, você está linda assim”. Ela deu um sorriso, um beijo e fechou os olhos com um olhar de alívio. Eu fechei os olhos também. Antes de dormi pensei sobre eu e ela. Acho que a gente dura. Espero que sim. Mas não sei porque eu tenho certeza que amanhã ela ainda vai cortar o cabelo...

2 comentários:

  1. "Mas não sei porque eu tenho certeza que amanhã ela ainda vai cortar o cabelo..."
    Incrível como adoramos um charminho. ,)

    Me identifiquei tanto com esse começo. Acho que percebi porque durmo tanto.

    Ritmo e descrição impecável, Broto. Uma cena de filme fácil!

    ResponderExcluir