segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ela

Tudo aconteceu num preto e branco azulado de uma noite fresca. Era como se eu fosse cego. Ela vinha e me levava. Eu ia. Era o tanto junto ao quando que eu esperava há anos. Quantos anos! Fui levado. Era o vento me empurrando para todos os lados. Era eu sendo guiado. Era a saia ventaniando, sua mão concertava a alça da camiseta branca fina, lépida. Era seu corpo no contorno do tecido. Era minha mão nos seus dedos frios de noite. Era ela me puxando, era ela, era ela.

Era um areal, um imenso deserto. Não tinha fim. Era terça, era quinta, era um mês inteiro. Ela corria. Eu ia. Era talvez um pedaço de sorriso, que sorria de canto de boca. Um canino, um molar, era a boca. Como eu gostava daquela boca. Era os passos. Rápidos. Era a tentativa de ar, era tentar respirar, era me afastar, era vê-la, era a distância. Era sua perna dançar nas dunas longínquas, era meus pés no vale. Era meus joelhos no vale. Era ela de branco e indo. Era eu findo.

Ela vinha me achar, via onde eu estava. Era ela muito, muito perto. Era sua pele com poros e fios de cabelos. Era eu, caça. Carcaça. Era ela, moça, era ela, bela, era ela, era ela. Hera, ela. Era meu fim. Era sentir-me pesar. Era o vento indo contra. Era meu fraco mais forte. Era o sangue ralo, era o fim da linha.

Enquanto eu cedia, ela ria. Me queria. Me dançava. Amava cantar aos outros também finados. Buscava outros tolos. Éramos todos touros, mortos. Éramos poucos para tanto. Era ela. Era o mundo dela. Era tudo ela. Era um preto e branco azulado. Era bonito e distinto. Era seu quarto. Seu quadro e seu pincel. Era o mito, era o muito, era ela, era ela, era ela.

2 comentários:

  1. Era um sonho.

    Sabe os pequenos cortes e rabiscos de filmagens com câmeras antigas? pra mim, é esse o ritmo dos teus textos.

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  2. po cara... vc definiu perfeitamente pra mim o que significa o "era" na vida, e olha que eu tenho bastantes desses hoje em dia! Abraço forte

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